segunda-feira, 30 de junho de 2014

Torrente de Paixão


                                               “Down on this killing Floor”

Escrito por Charles Brackett (co-escritor de dois dos melhores filmes de Billy Wilder, Farrapo Humano e Crepúsculos dos Deuses) e dirigido pelo prolífico Henry Hathaway, Torrente de Paixão é um Noir à luz da manha e do calor das cataratas do Niágara.

O Noir é simples. Casal de férias esbarra em outro casal, esse com o relacionamento de mal a pior, e a partir desse encontro: Casos Extraconjugais, tramas de assassinatos e outras coisas vêm à tona.  Homem solitário narra sua história, Marilyn Monroe nua embaixo de lençóis brancos, o technicolor vibra, as cores tomam a tela. Essa é uma história de obsessão e desejo. Mais do que um Noir, Torrente de Paixão é um filme que emite calor e sensualidade a cada plano.

É impressionante como a abertura com Marilyn nua resplandece sobre o resto da narrativa. Não apenas pelo caráter erótico, mas também porque essa sequencia consegue duas coisas: Criar o mito Monroe de beleza, como também abre para que todo o filme seja expresso através dos corpos e gestos de seus personagens.

Torrente de Paixão é um filme que preza pelo implícito e pelo escondido. Suas emoções são expressas pelo andar de Marilyn, pelos detalhes do rosto de Joseph Cotten e pelo olhar de Jeans Peters, sendo enfatizadas por cores de vestidos, modelos de biquíni, cigarros e sapatos.

Mesmo com a presença explosiva de Marilyn, Peters consegue se destacar e oferece um desempenho tão misterioso e impactante quanto a Femme fatale de Monroe. A protagonista de Peters é curiosa, agente de ação e de motivações misteriosas, remetendo bastante aos personagens de David Lynch. Essa dona de casa é tão entediada com a monotonia ao seu redor (especialmente com a vida profissional do marido) que quando o plot se desenrola, seus desejos de fuga se afloram e ela se torna uma das melhores mocinhas-detetives do cinema.

Essa protagonista é o próprio espectador: Sagaz, desconfiado e intrometido, que vê no prazer do mistério e do lugar não comum (no caso do espectador, o cinema) o escapismo perfeito, nem que seja por poucas horas. Irônico, divertido e executado a perfeição, Torrente de Paixão é um dos melhores entretenimentos vindos da antiga Hollywood.


Link IMDB: http://www.imdb.com/title/tt004612
                 Música do título :



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segunda-feira, 23 de junho de 2014

Memória de Amarcord

Sonho de Rimini.

Existe algo profundamente nostálgico e melancólico em Amarcord. Após vê-lo pela quinta vez, a sensação é de se visitar um velho amigo, é uma troca mútua de experiências e emoções. A força dos filmes de Fellini reside na conexão, quase imediata, que o espectador faz com seus personagens. Aqueles rostos e cenários Fellinianos me são familiares, como se eu vivesse no saudosismo de suas imagens.

Amarcord talvez seja o filme que mais dependa dessa conexão. Baseando-se nas memorias da cidade natal do seu diretor, o filme é uma experiência compartilhada de ternura, jovialidade e beleza. Igualmente onírico a outras obras de Fellini, Amarcord é o sonho da juventude. Lugar de verões intermináveis, paixões platônicas duradouras e festas surreais, que proporcionaram imagens inesquecíveis para mim. Amarcord permanece como um dos melhores sonhos que o cinema proporciona.

Dentre um plano perfeito atrás de outro, aqui estão alguns:



























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quarta-feira, 18 de junho de 2014

Avanti Popolo


Que filme bosta! Disse um velhinho após o fim da sessão de Avanti Popolo. Arretado! Era o que eu pensava quando o filme acabou. Reações exacerbadas a parte, Avanti Popolo talvez seja “o” filme político brasileiro, aquele que não tenta ser Godard ou Glauber. Mas aquele que é escondido em si, expressando-se aos poucos e lentamente alcançando o espectador.

Dirigido por Michael Wahrmann e estrelado pelos atores Carlos Reichenbach e André Gatti, Avanti Popolo não possui um enredo propriamente dito, o básico é: Após anos, filho (Gatti) volta a morar com o pai (Reichenbach) e sua cadelinha. Sendo um relacionamento pouco amigável, os diálogos entre ambos são raros. Filmes em Super 8mm permeiam o restante da narrativa, esses sendo imagens dos protagonistas nos anos 60 e 70.

Avanti Popolo é um filme meditativo sobre a insistência do passado em se manter presente e como o procuramos com o intuito de reatar laços há muito perdidos. Essa busca também é enfatizada pelo desaparecimento do irmão, durante a ditadura militar. O Super 8 é a memória persistente, escondida na casa que sofre da ação do tempo. As leituras são diversas e variadas.

 Além disso, o filme é um exercício de metalinguagem sobre a manipulação e o papel que a imagem exerce em nós. Em cena chave, o filho leva o projetor para conserto e acaba descobrindo que o técnico é cineasta e fundador de um dogma, que só tem ele como membro. Esse diálogo é facilmente a cena mais memorável do filme, é quando ele encontra seu sentindo. Ressaltando todo o percurso da narrativa até então, a cena é uma provocação direta ao espectador sobre o papel do cinema em nossas vidas.

 Os comentários políticos do filme são sutis e reflexivos, ganhando força com os segmentos narrados pelo próprio diretor. Onde ele, através de associações livres e poéticas (Sem soar pretensioso), traça comentários que podem ser interpretados tanto como sendo sobre a narrativa, como sobre o subtexto do filme. Aqui, não há cinema propagandista idiota, também não existem jogos de montagem para a defesa de teses políticas.


O final do filme é um dos mais bonitos dos últimos tempos. Sem apelar para o sentimentalismo, Wahrmann consegue dar um fechamento político e humano a sua história de maneira simples e direta (diferentemente do resto do filme). Para esse cinéfilo, Avanti Popolo é cinema que une em sua melhor forma. Merece ser visto, especialmente em épocas de Ocupe Estelita e de eleições para presidente.

Música pra acompanhar: 

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quinta-feira, 12 de junho de 2014

A Culpa é das Estrelas

Even children get older, i´m getting older too.

Sendo bastante direto, se você gosta de filmes melosos, feitos para causarem lágrimas e soluços de forma óbvia e rápida, A Culpa é das Estrelas é seu filme de 2014. Minhas críticas são justamente sobre isso. Apoiado na boa química entre o casal protagonista, o filme se revela batido e exageradamente dramático.

Hazel (Shailene Woodley) é uma menina com câncer terminal que não se ilude de sua condição, indo a grupos de apoio a pedido da mãe, mas se sente muito cínica em relação às falsas esperanças que recebe. Em um desses encontros, conhece Augustus (Ansel Elgort), rapaz que não poupa esforços para conquista-la. Tendo perdido uma perna e supostamente curado de seu câncer, Augustus se mostra o contrário de Hazel, otimista e espontâneo.

Interessante notar como o filme Indie se tornou um gênero e não um modo de produção. Todos os clichês estão presentes: Narrativa fofa e trágica, Pop “alternativo” para pontuar as passagens do tempo, Cores sóbrias (Azul em especial) e personagens diferenciados (Nesse caso, com Câncer). Pra complicar ainda mais, o filme se utiliza muito mal de outros recursos fílmicos. Close-ups de rostos cheios de lagrimas, momentos de tensão bestas (Hazel consegue ou não subir as escadas?) e giz posto sob a imagem para exemplificar as mensagens de texto dos protagonistas. 

A culpa é das Estrelas é um filme confuso em suas metáforas e simbolismos. O Câncer é um elemento que o filme tenta colocar como marcante, mas se torna um detalhe narrativo bem fraco (Feito para impedir que o romance seja concretizado). A doença funciona quando é conveniente para o casal, e o espectador, chorar. Hazel até anda demais para quem tá sofrendo com a doença (Perceba ela em pé no ônibus). E ela, que é cínica e brincalhona com o drama em torno de sua doença, acaba se tornando a caricatura que tanto evita, a da menina sofrida e histérica.  Esse tipo de esquizofrenia no conteúdo do filme é sintoma da maioria dos hits de verão vindos de Hollywood.
Nem tudo foi ruim, o carisma do casal até confere ao filme bons momentos. Mesmo sendo presos aos diálogos, os jovens atores dominam a cena e são bons fornecedores das “mensagens” do roteiro. É o filme que carece de frescor e personalidade. É tão bem acabado e formulado que o filme deve interessar apenas aos  fãs do livro e os já citados fãs da choradeira. Sendo, no final das contas, um hit de bilheteria a cair no esquecimento a partir do momento em que surgir outro romance, adaptado de um best seller, que possua sofrimento, que tenha atores da moda. E assim por diante.

Link IMDB:http://www.imdb.com/title/tt2582846/

              Música do título:


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segunda-feira, 9 de junho de 2014

O Lobo Atrás da Porta

Dance you fucker! Dance you fucker!

O filme inicia-se com imagens cotidianas do Rio de Janeiro. Em seguida, entra música em tons graves (Que me lembrou: https://www.youtube.com/watch?v=meU2gAU7Xss ) e barulho da rua, para logo depois, descobrimos que uma criança está desaparecida. Dois minutos de filme, O Lobo Atrás da Porta já havia me sugado completamente em sua atmosfera. Revisto (Já havia visto no festival Janela Internacional do Recife, de 2013), só confirmei que o suspense de Fernando Coimbra é um dos grandes filmes nacionais dos últimos anos.

Coimbra parte do desparecimento da menina para construir um suspense tenso, emotivo e por vezes, engraçado, sobre um triângulo amoroso. A tal menina é filha de Bernardo (Milhem Cortaz) e Sylvia (Fabíula Nascimento), conforme a investigação avança suspeita-se de Rosa (Leandra Leal, em ótima atuação). Rosa é um caso extraconjugal de Bernardo, que se torna amiga de Sylvia, com intuito de provocar o amante. Essa pulada de cerca é narrada primeiramente por Bernardo, e depois por Rosa.

Sendo um filme de “versões” da mesma história, Lobo não é um daqueles casos que busca confundir o espectador em meios a trezentos fatos de diversos pontos de vista. O filme se interessa bem mais por entender e procurar os motivos que culminaram no desaparecimento da menina.

O cinema nacional ultimamente tem flertado bastante com o suspense (vide os ótimos Som Ao Redor, Trabalhar Cansa e Quando Eu Era Vivo.) e Lobo se torna mais um desses. Esse Neo Noir é uma dança da morte: Cenas abruptas de violência doméstica, personagens instáveis e um mistério a ser resolvido. Coimbra se revela um diretor de mão cheia, com longos planos (Alguns estáticos, ou com pouca movimentação) e ótimas soluções de enquadramento, que passam uma sensação constante de tensão (Amigo meu comentou que ouviu a plateia toda ofegar aliviada quando o filme terminou).

O papel do som também ajuda a ressaltar o aspecto claustrofóbico. A trilha sonora pontua os momentos chaves do filme, sendo seu minimalismo bastante eficaz. Já na maior parte das cenas, o som ambiente é o grande destaque, alto e seco. O barulho parece cortar o filme com bastante ferocidade. Isso, misturando com a ausência de som extra diegético (fora do universo fílmico), torna o filme violento e tenso na medida certa.

A estética do filme também ganha ao mostrar as consequências das ações dos personagens. (Como na ótima cena de Rosa após sua “consulta” ao médico) Ao observar as longas, e silenciosas, reações dos personagens, o filme ganha camadas e mais camadas de interpretações de seus dramas (Similar ao filme Quatro Meses, Três semanas e Dois Dias, Cristian Mungiu). Filme sujo e desagradável, no melhor sentindo que existe, O Lobo Atrás da Porta não faz julgamentos morais, ele abre caminhos para o espectador chegar a suas conclusões. Sem medo de tocar em assuntos delicados, Coimbra adiciona uma dose peculiar de humor a narrativa.

 O filme parece brincar especificamente com a plateia brasileira, e seu caráter quase histérico em repulsa a histórias de adultério e de crimes hediondos. Até mesmo o delegado (Juliano Cazarré) comenta que no Brasil, população não perdoa quem maltrata criança e idoso. O humor está no desconforto de certas situações, que acabam tendo consequências graves e pouco engraçadas. Porém, ele nunca se destaca diante do suspense do filme.

 O filme já havia me causado uma ótima impressão da primeira vez. Já na segunda, tive a certeza de que ele irá permanecer comigo por bastante tempo. Brilhantemente fotografado e montado,O Lobo Atrás da Porta é um suspense de qualidade, dos mais criativos a aparecer nos últimos tempos, tanto no âmbito nacional, quanto internacional.

Link IMDB: http://www.imdb.com/title/tt2861532/
Música do título:

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quinta-feira, 5 de junho de 2014

Malévola


Uma das mais adoradas vilãs da Disney, interpretada por uma atriz de sucesso (Nesse caso, Angelina Jolie), em uma releitura de um clássico das animações. Malévola é praticamente a receita do filme de sucesso hollywoodiano. O filme poderia ser a mesma história de antes, dessa vez com enfoque na “malvada”, para ser um sucesso de público. Porém, ele vai além e traz novidades interessantes.

Invejosa e malvada, Malévola lança um feitiço na filha do rei, para essa adormecer eternamente no seu decimo sexto aniversário. A história é conhecida por todos, porém agora é a “vilã” que é a protagonista. Malévola é um filme que apresenta os motivos da vilã, enquanto a coloca sob uma nova perspectiva de vítima. Ao fazer isso, o filme se torna mais do que os antigos maniqueísmos da Disney. Aqui, o mal é bem mais verossímil. 

 A transformação da protagonista não é em nenhum momento forçada ou irrealista. Mesmo ela indo da menina boa e pura, para vilã recalcada, e em seguida, para fada madrinha redimida. Temos uma personagem multifacetada, com que o público se identifica facilmente. É manipulação de forma barata, claro, mas pelo menos o filme é um bom entretenimento de fim de semana.

O tratamento imagético do filme também merece elogios, com enquadramentos na penumbra dignos de nota. Destaco também a ótima atuação de Jolie, que com ajuda de close-ups, torna sua rainha-fada-bondosa-recalcada bastante expressiva. Em relação aos outros personagens, o filme peca justamente pela diferença de abordagem que a protagonista recebe.

 Se Malévola parece real, os outros personagens parecem meros obstáculos para a narrativa fluir. São genéricos, sem carisma ou força narrativa, com exceção do Corvo Diavel, se apresentam de forma a serem facilmente esquecidos pelo espectador no fim da projeção. Mesmo sendo compreensível que muitos personagens do original retornem, o filme deveria ter tido o trabalho de melhor desenvolvê-los. Em vez disso, eles se tornam o oposto de Malévola, unidimensionais (Especialmente as irritantes três fadas que cuidam de Aurora).

O tom de fábula nostálgica dita o filme, nunca se perdendo em excesso de efeitos especiais ou CGI para cativar o espectador. Malévola é um filme visualmente atraente, que nós faz lembrar o porquê dos filmes da Disney serem tão especiais para o grande público.

Link IMDB: http://www.imdb.com/title/tt1587310/
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segunda-feira, 2 de junho de 2014

Ondas do Destino

Love you so much, it makes me sick.

 Ondas Do Destino é minha obra favorita de Lars Von Trier. Único filme que, a meu ver, faz jus a adoração que o dinamarquês recebe. Aqui não há temas polêmicos fáceis ou o desejo infantil de chocar, mas uma obra madura e transcendental, com uma personagem profunda e cativante que fez valer cada segundo de suas quase três horas. 

Situado na Escócia, religiosa e conservadora, o filme é centrado na personagem Bess, uma mulher simples e ingênua que vê seu amor e devoção postos a prova quando seu marido fica paralisado da cintura para baixo. Depressivo e desesperançoso, Jan ( O marido) pede a Bess que tenha diversas experiencias sexuais com estranhos e que depois narre tais atos. Se sentindo culpada e desesperada, Bess aceita.

 Ondas Do Destino se apresenta tão puro, quanto impuro. Sendo a jornada de Bess não apenas sexual, mas espiritual. Sendo o filme tão desconfortável quanto qualquer obra de Michael Haneke, ao mesmo tempo em que é tão emotivo e cheio de fé quanto qualquer filme de Tarkovsky. Bess é a mistura do arquétipo da mulher religiosa pura com o da prostituta condenada, que não possuem salvação. Von Trier consegue o balanço perfeito para sua narrativa, aonde o choque vem mais dos julgamentos e humilhações que Bess recebe da sociedade do que de seus atos sexuais.

 A obra vai além dos conceitos padronizados de salvação, fé e sexo impostos pelas doutrinas religiosas diegéticas. Em vez disso, o filme conecta os atos “puros” e “impuros” como forma de salvação da sua protagonista. Aqui, o amor leva a humilhação, e a humilhação leva a salvação. É uma visão bastante fria e crua, porém não consigo imaginar em um filme mais cheio de ternura e esperança como esse. Mesmo com sua estética “suja” e nervosa de câmera na mão, Ondas do Destino é um filme delicado que transborda um humanismo simples e direto que não é muito comum na obra de Lars. Essa estética “suja” é contrastada por belas passagens de tempo, que ao som de músicas pop famosas, formam uma beleza delicadamente frágil que tomam forma no rosto de Emily Watson.

Tantas atrizes poderiam tornar um diálogo entre sua personagem e Deus algo banal ou emocionalmente apelativo, porém não é o caso aqui. Watson é o filme, ela que o deixa crível e realista, sabendo muito bem alternar de momentos sutis para a pura histeria. Ela permanece entre as expressões melancólicas e desérticas de Liv Ullman e a espontaneidade e carisma de Giulietta Masina.

O filme ocasionalmente peca por se prolongar demais em determinadas cenas, porém nada que atrapalhe o produto como um todo. Há também quem veja muitas cenas carregadas de sentimentalismo. A meu ver, sem cenas carregadas de emoção o filme se perderia no moralismo que ele visa criticar. Lars Von Trier viria a se promover excessivamente em trabalhos futuros, de qualidade duvidosa. Mas aqui ele soube mostrar a face de deus e o diabo, fazendo do filme um dos mais especiais da história do cinema.

Música do título: "Aneurysm", Nirvana
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