sábado, 27 de setembro de 2014

Miss Violence

Freak Show

A imagem de uma menina sorrindo para a câmera e logo em seguida se jogando de um prédio é certamente algo marcante. O espectador é imediatamente tentado a sentir pena e a querer entender os motivos que levaram a um ato tão violento e radical. O diretor Alexandros Avranas mantém sua câmera a serviço das investigações da platéia, ela se movimenta livremente pelo cenário enquadrando e aprisionando em planos fechadíssimos os culpados e os presentes no suicídio da menina, ou seja, seus familiares.
Miss Violence é um filme bastante seco e violento, tanto na sua narrativa quanto na sua estética. Tonalidades frias e acinzentadas misturam personagens a ambientes claustrofóbicos e hostis. Não tarda muito e o filme mostra o porquê de determinadas escolhas. A família de Angeliki (a menina suicida) se recusa a aceitar que ela possa ter se matado, preferindo continuar a viver o mais normalmente possível. Em meia hora de filme, o patriarca da família (ótima atuação de Themis Panou) revela suas “peculiaridades” em relação à forma como educa seus filhos. A partir dai o filme é preenchido por diversos momentos agressivos e agonizantes que demonstram o inferno familiar em que o restante dos irmãos de Angeliki se encontra.

Um freak show que sabe utilizar o vermelho vivo e pulsante do sangue para contrastar com a desolação e desespero dos filhos. Avranas se lança sobre seus personagens de forma bastante nítida e mantém suas lentes na altura dos filhos menores, revelando uma pureza e beleza em constante ameaça. Porém sua grande obsessão se concentra na figura do pai e no seu uso da violência doméstica. O personagem não oferece insights fascinantes ou monólogos interessantes, mas seu comportamento consegue fornecer respostas em relação ao suicídio da menina. A câmera o intimida, como maneira de exibir suas hipocrisias de maneira mais nítida. Seus close-ups revelam uma figura abominável a quem o espectador acompanha durante boa parte da narrativa.

Porém se Miss Violence possui uma mensagem clara e direta, lhe falta gás para sua narrativa se desenvolver e alcançar dimensões mais interessantes. Acaba por ser uma história relativamente batida (semelhante ao outro filme Grego contemporâneo, Dente Canino) e por vezes, carregadíssima em suas cenas chocantes. Avranas mostra onde os corpos estão enterrados, e quem os enterrou logo no começo, tornando a experiência prejudicada em longo prazo. Não há nada além, é um filme duro e seco do começo ao fim. No momento em que eu pensei que ele iria colocar o foco de atenção em outros lugares, o diretor permanece enfatizando e enfatizando no já comentado e exemplificado.

Já havia dito sobre esses problemas em outros filmes violentos desse ano (The Rover, Heli) e reafirmo que não se tratam de filmes horrorosos. Entretanto apesar do vigor de seus realizadores, eles acabam por caírem no lugar comum de cenas violentas que se tornam muito mais descritivas do que narrativamente importantes. A sensação que fiquei foi de um filme que apelou para empatia da platéia por não ter mais o que comentar.


É admirável que um filme como Miss Violence mire seu olhar em temas tão fortes para o espectador. Suas discursões são pertinentes e bem vindas ao cinema contemporâneo. Ele é objetivo e sem falsas esperanças, porém acaba por cair diversas vezes na trilha do sentimentalismo barato e na mesmice demonstrativa da violência física.

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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola

Eric Von Stroheim já dizia “Em Hollywood você é tão bom quanto seu ultimo filme”. Seth MacFarlane gostou tanto do sucesso de Ted que fez uma cópia quase exata se passando no velho oeste. O senso histérico de piadas com teor sexual ou escatológico persiste, a falta de carisma dos personagens também. Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola (sério?) é tão infantilmente constrangedor e sem graça que é restrito apenas aos fãs do humor de seu criador. Esse tipo:

Já que o filme não me caiu como comédia, o quê sobrou? Uma festa chata, organizada por MacFarlane onde a nata de Hollywood (Charlize Theron, Amanda Seyfried, Liam Neeson, Neil Patrick Harris, etc) comparece. Alguns dançam mais do que os outros, porém todos brilham, literalmente, na tela. É visível como essas estrelas estão mais claras e brancas do que o restante da diegese, a imagem está lá para captar exclusivamente suas presenças.

A escassez de cinema é gritante, a obra se cria em meio à gags vindas de comerciais televisivos com humor direto e efêmero. As piadas surgem em ritmo acelerado, sem tempo até para elas mesmas, pois o filme é preocupado em imediatamente jogar mais uma e não em deixá-las terem seus momentos. Isso torna o ritmo bastante prejudicado e amontoado de situações previsíveis e desnecessariamente longas.

É uma festa simplória e esquecível. Não existe particularidade ou roteiro bem desenvolvido em Um Milhão..., é a árvore de natal toda enfeitada, porém sem nenhuma razão para existir além de receber presentes (leia-se, o dinheiro do espectador).


A crítica é pequena, pois a obra é. Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola é o filme anárquico que a trupe do Monty Python realizaria se fossem comediantes ruins. Tão irritante quanto aquela piada dita cem vezes pelo seu tio no Natal.

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segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Isolados

O gênero Suspense\Terror anda em alta no cinema brasileiro. O Som ao Redor, Quando Eu Era Vivo, Trabalhar Cansa, O Lobo Atrás da Porta, estão não apenas ligados ao gênero, como figuram facilmente dentre os melhores trabalhos nacionais dos últimos tempos. Mais do que utilizarem o suspense como marcador de ritmo, tais filmes abraçam o gênero com bastante carinho cinéfilo e apresentam abordagens estéticas, no mínimo, interessantes. Isolados peca justamente por não possuir esse conforto e conhecimento do gênero, se resumindo a uma cópia insípida dos diversos suspenses genéricos que Hollywood distribui semanalmente nos cinemas.

O excesso de simbolismo dos créditos iniciais já havia me deixado uma primeira má impressão. A partir dai só piora: Uma colagem dos piores clichês do gênero que somados a química horrenda do casal protagonista revela um filme carente de personalidade e inventividade. Priorizando sustos fáceis e abusando dos close-ups, Isolados não visa imergir a plateia em uma atmosfera rica e cheia de camadas, mas no entretenimento barato, e mal executado, de sustos isolados (perdão do trocadilho) em uma narrativa recheada de flashbacks desnecessários, diálogos empobrecedores e diversos furos de roteiro. O filme é frágil e mal arquitetado, determinando meia dúzia de cenas como sendo feitas para “assustar” e tais momentos são tão facilmente identificados que se tornam enfadonhos. Enquanto que o resto das cenas “não assustadoras” se revela um caos de subplots sobre o passado dos protagonistas com nenhum propósito além de servirem como passagens de tempo chatas para a próxima cena de susto. Seria até interessante poder fazer conexões mais complexas entre os subplots, porém o caráter didático e a falta de desenvoltura as colocam no vácuo.

A sensação é que nada acontece durante o filme, não há o medo da imagem ou do extracampo, o espectador permanece em terreno seguro e no aguardo do tradicional plot twist dos últimos cinco minutos. Um produto que tende a causar risos histéricos na plateia, fazendo-os sentir zero empatia pelo casal engomadinho, que é “ameaçado” por assassinos seriais no meio do mato. Em meio a isso, a mulher (Regiane Alves) possui problemas psicológicos e sobra para o namorado (Bruno Gagliasso) defendê-la na casa no meio da floresta, sem eletricidade, sem ajuda, etc. O roteiro enfatiza demais seus atores, provavelmente para atrair público, o problema é que a má construção dos mesmos impede qualquer objetivo fílmico ser alcançado.


A saturação de exemplos quase idênticos a Isolados o faz cair no esquecimento quase que imediato após os créditos finais. O gênero pode até ter mais exemplos similares ao filme, porém obras como as nacionais citadas no começo do texto mostram que o suspense ainda tem diversos terrenos a serem explorados.

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quarta-feira, 10 de setembro de 2014

The Thing

A barriga de um homem arranca os braços de outro fora. Há bastante medo físico em The Thing. Carpenter horroriza o espectador em sua reflexão de sangue, tecidos e ossos distorcidos do ser-humano. O grau de monstruosidade que o diretor injeta em seu filme se assemelha as formas deformadas e amedrontadas das pinturas de Goya, uma verdadeira visão do inferno. A imagem é tão gráfica, vibrante, tensa e provocadora ao retratar os corpos de seus personagens que não é de se surpreender sua fria recepção em 1982.
O minimalismo da música tema instaura expectativa e suspense, que surge na figura de um cão sendo perseguido por um helicóptero. Mais tarde a platéia descobre que se trata de um ser capaz de se transmutar em qualquer organismo, gerando pânico e desconfiança entre os personagens. Carpenter filma na altura do cão, conferindo-lhe poder e espaço na tela. Sua transformação é uma grande proeza para o gênero, não só pelos efeitos especiais orgânicos e espetaculares, como também pela prova do grande talento de seu diretor em assustar plateias e em corresponder suas expectativas com imagens amedrontadoras e inusitadas.

Porém seria um erro ler esse filme como sucessão uma de imagens vulgares de violência gráfica. Em vez disso, Carpenter prioriza a construção de uma atmosfera fria e até onírica da Antártica, para gradativamente sucumbi-la em um clima de paranoia que traz consigo a fotogenia impressionantemente surreal do monstro homônimo. A narrativa não se apressa em exibi-lo como um fantoche genérico igual a tantos outros do gênero, mas como uma força única e implacável que também se revela no extracampo sonoro de sons ásperos e estridentes. Sua origem não é apresentada, o espectador e os personagens entendem que o monstro possui dimensões e aparências imensuráveis. O próprio The Thing é carregado de tais dimensões, o cosmos mundial se disfarça em treze personagens acuados pela “coisa” metamórfica. Alegorias com a histeria do surgimento da AIDS e suas primeiras “soluções” de extrema direita (isolar os infectados) são bastante cabíveis ao filme. Pois a força de seu subtexto consiste no choque entre diferentes mentes, etnias e classes ameaçadas pela violência do desconhecido.


E que maneira seria mais apropriada de se terminar do que com a destruição física e mental dos envolvidos? A orquestração da violência diminui seu ritmo, porém ela permanece. A ambiguidade de seu final é discutível, porém sua força em impactar e fragilizar o espectador, não. 


      Morricone <33333333:

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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Império dos Sonhos

In Pitch Dark, i go walking in

O apelo do gênero terror\suspense está na invulnerabilidade que a audiência possui perante as forças sobrenaturais que perseguem os personagens desamparados por algumas horas. A plateia normalmente indaga sobre como se comportariam perante tais situações de desespero e aflição, o gênero entretém, pois fornece essa “insegurança-segura”. David Lynch é um dos melhores que sabe quebrar esse contrato entre plateia e filme, fazendo com que seus espectadores sofram na pele dos mocinhos noir e curiosos de Veludo Azul, Twin Peaks, Cidade dos Sonhos e Estrada Perdida. Tais personagens são perseguidos e confrontados por forças maléficas que assumem diversas formas (espírito, bruxa, psicopata), que não só cumprem suas funções de antagonistas, como também se tornam personas tão impactantes e profundas que o espectador se sente amedrontado mesmo após o término do filme. As criaturas de Lynch são possuidoras de um ódio além da compreensão e suas motivações se relacionam com o lado mais obscuro do homem, mas elas são apresentadas com uma roupagem de carne e osso, fazendo-as ainda mais reais e assustadoras. Agora imagine se uma dessas forças possuísse Lynch e dirigisse um filme, Império dos Sonhos seria essa obra

Primeiro filme do diretor rodado inteiramente em digital, Império dos Sonhos é um longo pesadelo surrealista de estética câmera na mão, feito assim, para quebrar toda e qualquer barreira existente entre ficção\documentário e real\irreal. Ao jogar o espectador no meio do caos povoado por close-ups distorcidos, coelhos falantes, ambientação granulada escurecida, David Lynch reinventa seu cinema. Sua metalinguagem se concentra na fragilidade (celuloide) e podridão (Hollywood) da sétima arte, apontando um caminho incerto e escuro para seu cinema em meio a dilemas estéticos (não é a toa que o diretor não dirigiu nenhum filme desde então). Em nenhum outro momento Lynch deixou seu cinema tão aberto e perigoso como em Império dos Sonhos. É auto referencial, inquieto, esquizofrênico e desesperado em sua procura por um novo cinema. Essa obsessão acabou resultando no melhor pesadelo de Lynch, um filme genuinamente angustiante de se assistir.

Em sua maior parte, Império dos Sonhos é ambientado em Hollywood, algumas cutucadas nos talk shows freaks e na cultura de celebridade e já sentimos um certo desprezo pela cidade dos anjos. Lynch demonstra seu inconformismo com o cinema hollywoodiano, que alguns podem até dizer que o diretor faz parte, porém seu olhar crítico acaba por se direcionar para outros lugares ainda mais distópicos. O diretor já havia abordado sua paranoia industrial e paternal em Eraserhead, mas nada perto do pesadelo humano de Império dos Sonhos. O monstro-filme ataca diretamente o espectador, não há sossego, a câmera se comporta como uma arma apontada para a  cabeça da plateia, a tensão permanece por mais de uma hora ininterrupta e diversos disparos são feitos, para logo em seguida a arma ser recarregada e recolocada no mesmo local. Seus sustos não são fáceis e repetidos, Lynch prioriza os cantos escuros e consegue deixar sua plateia paranoica e aflita, amedrontando-as com imagens bizarras que só aumentam o grau de tensão para a sequência seguinte (espere até ver o final). Especialmente, o terror surge da quebra da quarta barreira, os momentos são tão inesperados que surgiram diversos efeitos de repulsa por parte desse fã do gênero. O trabalho de som impecável contribui para a criação de uma atmosfera natural e orgânica, com um barulho sendo meticulosamente planejado para ressoar diversos ecos na cabeça do espectador. Fazendo de seus chiados um tique-taque constante de uma bomba que vai inevitavelmente explodir. Talvez nunca houve imagem tão violenta e agressiva como nesse filme, a vulnerabilidade da plateia é constantemente ressaltada ao longo de seus 180 minutos.
A precariedade da imagem absorve o espectador, aprisiona-o em close-ups e em planos fechadíssimos que buscam captar nossos medos do desconhecido e do escuro. Império dos Sonhos é a psique aberta de uma das criaturas violentas de Lynch, o diretor não está possuído, como eu apontei para melhor exemplificar, mas Nikki (Laura Dern) está. Ela, atriz de meia idade que aceita protagonizar um filme, descobre que o projeto já havia sido iniciado por outra equipe, porém foi tragicamente interrompido pela morte misteriosa do casal de protagonistas. Enquanto começa a adentrar em sua personagem, a realidade de Nikki começa a se misturar com a narrativa e com a vida da falecida atriz. É uma bagunça de múltiplos núcleos narrativos, um choque entre diferentes realidades, um drama sobre os transtornos de uma mulher (cinema) a beira da loucura. David Lynch até reencontra a nostalgia de seus antigos sonhos ao final do filme, mas não antes de passar pelo surreal painel de horrores que habita seu universo, o de sua protagonista, e o do espectador. Apesar de não ser uma experiência fácil (faço menor ideia de como vou dormir hoje), Império dos Sonhos é possivelmente o maior pesadelo que a sétima arte me ofereceu, uma reflexão absolutamente genial de seu artista sobre o cinema e aqueles que o assistem.


                 Música do título:
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