quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Caminhos da Floresta

É engraçado que os tons góticos e macabros do pôster de Caminhos da Floresta (Rob Marshall), com uma Meryl Streep devidamente caracterizada como bruxa, sejam tão pouco explorados em sua narrativa. Senti uma vontade da Disney em vender o filme baseado na memória afetiva da plateia por histórias folclóricas tipicamente europeias. Até mesmo a frase inscrita, “Cuidado com o que deseja”, parece evocar uma história clássica de conto de fadas.  E de certa maneira, o filme de Marshall é, porém ainda encontra espaço para releituras contemporâneas interessantes.
Iniciando em um pequeno vilarejo estão os personagens famosos: o padeiro e sua mulher, a Cinderela, o João, a chapeuzinho vermelho. Todos entediados com suas rotinas até que a Bruxa ordena que o padeiro e sua mulher (James Corden e Emily Blunt) procurem na floresta certos itens, resultando em diversos encontros com os outros personagens citados e mais outras figuras de contos de fada: Rapunzel, o lobo mau e uma dupla de príncipes. A primeira vista, não há estranhamento algum com tais personagens, existindo uma encenação musical para todos corresponderam as suas respectivas imagens literárias.

Caminhos da Floresta acaba revelando seus personagens por detrás de seus arquétipos como pessoas inseguras e preocupadas em terem que corresponder a suas imagens. Seja a mulher do padeiro desejando uma vida na realeza, seja a iniciação sexual pelo qual a chapeuzinho passa, existe uma vontade de transpor os arquétipos, em humanizá-los como figuras emotivas e comuns. Esses protagonistas fazem contraponto a figura histérica, romântica e Camp do Príncipe (Chris Pine), que até metade da narrativa parecia deslocado da brincadeira.

Marshall entende seus personagens não como peças de um tabuleiro que visa criar um sentido maior pela soma das partes, mas como pessoas de carne e osso que lutam para acharem seus lugares naquele universo. O “gótico” que apontei no pôster acaba por funcionar como outra máscara para familiarizar o espectador com a memória que ele já conhece para em seguida provocar o debate e a reflexão acerca de arquétipos e pré-julgamentos nas histórias folclóricas.


No final, Caminhos da Floresta poderia até se beneficiar de um corte menor, mas isso não o torna com menos personalidade. Os números musicais acabaram por ficar em segundo plano, exceto a hilariante e genial interpretação de Chris Pine para “Agony”. Porém minha falta de excitação com o gênero não impediu de o filme ser uma surpresa divertida na tela grande.



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Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

How Come I End Up Where I Started?

8 ½ (Federico Fellini) ainda é o melhor filme sobre criação artística que existe, mais do que sua meta linguagem sobre um diretor tentando fazer seu próximo projeto, a obra de Fellini é um misto de sonhos e realidade que une passado e presente como um só. Um filme sem medo em tornar os desejos, medos e frustrações de seu protagonista a força motriz de sua narrativa. O diretor italiano criou uma comédia sobre si mesmo tentado dar voz e espaço para todos os ingredientes que nutriam sua paixão pelo cinema e pela vida. Um pouco mais de meio século após 8 ½ , Alejandro Inãrritu faz uma espécie de irmão para o clássico de Fellini, mas se passando na era digital e dos blockbusters.

2014 foi um ano marcado por uma série de filmes que tocaram no lado mais podre do ser humano e de seu meio. Mapa para as Estrelas (Cronenberg), O Abutre (Dan Gilroy) e Garota Exemplar (David Fincher) são feridas expostas do estado lamentável da mídia, criticando duramente o sensacionalismo jornalístico e a exacerbação da cultura de celebridades. São sátiras da contemporaneidade ocidental, sendo muito bem expandidas como um olhar degradante sobre o ser humano e a falência de seu meio. Essa acidez também é encontrada em Birdman (Alejandro Inãrritu), porém é acompanhada de uma sensação trágica que inexiste na “trilogia” citada e do caráter Felliniano do onírico.
Riggan (Michael Keaton) é amaldiçoado pelo sucesso como o super-herói “Birdman” (papel que não reprisa há 20 anos) e vê em na estreia de sua peça na Broadway a chance de fazer algo marcante em sua carreira. Inãrritu em momento algum desenvolve sua narrativa na iminência de “algo” acontecer. Em vez disso, mergulha seu filme numa neblina de remorsos, conflitos de ego e situações cômicas: atores tramam contra outros, personagens se machucam seriamente, Riggan entra de cueca no palco. Um filme estagnado, porém que não deixa de ser menos cativante de ser assistido.
Momentos surreais justificam o virtuosismo da direção (feito para parecer um único plano-sequência). Há uma vontade histérica com essa câmera, um desejo em transmitir o fluxo de consciência de Riggan. Pássaros gigantes, meteoros e bateristas de jazz, todos tomam de assalto o filme. Inãrritu é desapegado em construir uma seriedade imagética e conduz o filme com senso de humor, ao mesmo tempo em que torna os conflitos de Riggan emotivos de se ver.
A tentativa de redenção é a temática principal, com Riggan sendo constantemente confrontado pelo seu álter ego na forma do “Birdman” em fazer algo que seja tão significativo quanto o personagem de asas. Acredito que por problematizar os dramas de seu protagonista desde seu início (“como viemos parar aqui? Esse lugar é horrível”) e por ser tão direto ao se dirigir ao espectador, Birdman injeta um humor melancólico que o torna mais próximo e apegado a platéia.


Um filme engraçado e trágico, pois em sua natureza cáustica, Birdman refletiu a imagem de seu espectador. Enclausurados em memórias, possibilidades e chances que não foram aproveitadas pelos mais diversos motivos: covardia, egoísmo, preguiça, etc. Mas mesmo apresentando essas questões, o filme não parece está tragado por elas e sim por um caráter irônico consigo que, penso eu, o coloca bem adiante da maioria das produções hollywoodianas. Inãrritu força o espectador a refletir sobre o valor que a arte possui, assim como o conecta a seu protagonista no intuito de medir as consequências que o produto artístico tem para ambos os lados.  Essa conexão, similar a de Guido em 8 ½ , faz com que o filme ganhe um humanismo que o torna tão urgente quanto honesto.

Link IMDB: http://www.imdb.com/title/tt2562232/

               Música do título:
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