quinta-feira, 26 de março de 2015

Cinderela

Fui assistir Cinderela (Kenneth Branagh) com nenhuma expectativa. No pior dos casos seria mais um filme de digital instagram esbranquiçado, que nem fede , nem cheira. E ele é, exatamente assim: Mais do mesmo, final batido, vilã interpretada por atriz boa que rouba a cena (Cate Blanchett). Incomoda-me ver personagens demonstrando algum interesse amoroso quando nos últimos 30 minutos inexistem qualquer coisa que me leve a crer em interesse físico por parte deles. Mas como a narração do próprio diz: “Basta crer em um pouco de magia” e como naqueles momentos em que algum personagem de Woody Allen se depara com uma epifania, eu tive algo similar com o filme.

Em muitas maneiras, Cinderela é um melodrama clássico, típico de Douglas Sirk: Temática contundente com seu tempo, emoções a flor da pele e certo senso de trágico em sua narrativa. Diferentemente de Caminhos da Floresta (Crítica: http://bit.ly/1Lo1oEk ) as inúmeras afetações de seus personagens – Indo do uso exaustivo de expressões como “How Lovely”/ “Oh, Dear”, até ao constante esforço em tornar seus mocinhos caricaturas bondosas – não existem para esconder um humanismo interior, ou um desejo de libertação, mas sim para estabelecer um tabuleiro e o papel de suas peças. Amor é política nesse universo movido pela ganancia por status social elevado e pela riqueza alheia. Cinderela (Lily James) e seu Príncipe (Richard Madden) fazem contraponto a essa situação, são idealistas que creem no amor como força pura. O filme se desenvolve através do choque dessas peças.

Em minha visão acredito que essa relação idílica entre os protagonistas é bem menos interessante do que a politicagem por detrás da impossibilidade da realização amorosa. Reafirmo, é tudo um jogo. Branagh repudia as atitudes de seus antagonistas, mas procura entender seus motivos, ignorando o maniqueísmo simplista da maioria dos vilões hollywoodianos. As provações, colocadas pelo roteiro, existem justamente para expor o ambiente corrompido em que o jovem casal se encontra. Onde o amor não deve ser concretizado sem atrapalhar o aspecto financeiro e social em jogo. É notável a importância conferida às relações entre seus personagens. Não existe uma peça mal encaixada, todos possuem tempo em cena o bastante para “vestirem” seus arquétipos, fazendo com que a fator dramático aflore. A naturalidade com que a história flui se da devido a isso mais a relação câmera-espaço: Ambientes ressaltam a mesquinhez dos antagonistas ou a opressão sofrida por Cinderela.

“No Love is Free”, diz a madrasta má interpretada com bom humor por Cate Blanchett. Um questionamento pertinente que move a obra, porém cuja resposta vem no tradicional happy ending, com direito a narração “Acredite e tenha coragem em mudar”. Meu criticismo inicial revelou ferramentas estéticas válidas, mas com isso vieram outras problematizações: O jogo de interesses é superado pelo idealismo de seus protagonistas, que é igual ao da própria Hollywood, raso e apelativo para o grande público. O tabuleiro com as peças ganha o jogo fácil, ao invés de tentar uma abordagem diferenciada para uma experiência, digamos, mais satisfatória. Acaba-se por ser raso em seu discurso (Coisa que Douglas Sirk nunca foi), mas Cinderela não deixou de ser um filme interessante devido a suas falhas, acertos e especialmente, pelo estranhamento causado.

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