sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Tempo de Aquarius



Aquarius inicia com o mesmo artifício de O Som Ao Redor (2013), fotografias antigas. Se no caso de Som... as fotografias invocavam um passado em estado de inquietude, Aquarius invoca os cartões postais da praia de boa viagem ao som da canção “Hoje” de Taiguara como maneira de revisitar um passado que se contenta em apenas ser “Esse lugar que existiu”. Um passado sem dívidas com o presente.

O filme segue para 1980 onde somos apresentados a personagem Clara  na festa de sua tia-avó. Enquanto a aniversariante relembra a memória de seu antigo amor, é perceptível o distanciamento de Clara em relação a tudo, logo em seguida descobrimos que a personagem tinha acabado de se recuperar de um câncer. Momentos depois, fade out no apartamento para o mesmo décadas depois. Apesar de ser um filme linear, Aquarius não é aprisionado ao tempo presente.

E se o passado não retorna de maneira agressiva, ele certamente não coexiste com o presente de maneira 100% pacífica – falarei mais adiante. Porém o fato de que aqui não existir dividas a serem cobradas, indica um filme que trabalha a dimensão da memória por vieses diferentes de Som...

Enquanto acompanha sua protagonista por narrativas do cotidiano, Aquarius invoca cheiros, personagens, fotografias, dores do passado, etc.  Sua potência reside na troca de olhares que Clara troca com Júlia, na dança de Clara com um sujeito que conhece numa festa, no momento em que Clara escuta seus vinis antigos, na dedicatória que um de seus filhos mostra para sua irmã. Aquarius é um filme que se desenvolve em cima de lugares que despontam para fora do quadro, ele sugere que há um além disso.  Ao optar por tais momentos, o filme faz dos “lugares que existiram” um mosaico convidativo ao espectador desenvolver sua construção memorialista. O que pretende se criar é uma cumplicidade afetuosa entre espectador e filme.

E se o rosto de Sonia Braga materializa a marca do passado e presente de Clara, o edifício se porta em um lugar semelhante à da protagonista. Indiscernível um do outro. O silêncio do edifício, seu abandono por todos - exceto clara -, suas escadas, portas, seus gatos, suas folhas secas, tudo indicativo de um presente assolado pelo futuro em forma de uma construtora que visa demolir o prédio. Um edifício significativo da força de sua protagonista em se manter firme, em existir, em abraçar suas memórias como resistência.

Aquarius guarda em si uma melancolia e nostalgia de suas/nossas imagens fora de quadro. Ele as veste e expõe suas cicatrizes em materia (A mama retirada de Clara, o edifício silencioso), mas é marcante a ordem que lhe rege: o ímpeto de se manter ali diante do espectador, de se manter vivo, de enfim, sobreviver.

Não reduziria o filme como sendo sobre o Recife, nem como  um diagnóstico do Brasil (isso parece  cada vez mais  uma tarefa impossível), nem como sendo uma crítica a especulação imobiliária. É sobre Clara e suas lacunas, que contém espaço para todos nós. É relativo a um fluxo continuo de tempos e lugares que provocam o espectador a se relacionar com essa mulher. Que o tempo de Aquarius perdure.

Link IMDB: 
http://www.imdb.com/title/tt5221584/
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quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A Colina Escarlate

                                                           O Passado Contemplado
                                                      
O legado dos monstros da Universal Pictures – Drácula (1931), Frankenstein (1931), O Lobisomem (1941), etc- tende a ser, inequivocamente, lembrado como uma produção de terror convencional - que provoque sustos e tensão. Porém, antes de usarem o mórbido em prol do suspense, tais filmes priorizavam desenvolver um lirismo sobre a deterioração do corpo. Seus protagonistas eram pessoas acuadas pelo destino – no sentido trágico -, presos em uma existência desesperada por redenção. Nessa mise-en-scène, o que deveria ser visto como repulsivo é posto como algo carente de compaixão. E na conjuntura desse horror romântico, um assassinato é filmado como alívio, um momento de libertação. O cessar de angustias é reconfortante aos olhos assim como a madeira podre da arquitetura onipresente possui uma textura convidativa ao espectador. Tudo constrói-se em torno de uma melancolia idealizada e atraente.
Drácula (Tod Browning, 1931)
A nostalgia de Guillermo del Toro por essas obras – bem como pelo cinema mudo- reflete em cada espaço e tempo de A Colina Escarlate (2015), indo dos fade outs/ins em forma esférica até à maneira como cria-se uma estética de caráter efêmero mas pulsante. Seja pelo seu trio principal (Mia Wasikowska, Jessica Chastain e Tom Hiddleston) ou pela plasticidade de sua imagem, fica claro que o interesse do filme está em romantizar – ou até mesmo, sonhar – um momento específico. Um tempo não necessariamente historiográfico – nesse caso o final do século XIX/início do séc. XX- e sim, memorialista . Interessa à del Toro não a precisão anacrônica do período diegético e sim em como tal época e estado de espírito foi retratada por movimentos literários e pelo próprio cinema. Tal anseio não exclui certa afetação estética por parte de sua direção, porém no ato de abraçar tão abertamente suas sensibilidades A Colina Escarlate cativa.
Obsessivo em recriar um cenário sonhado, a obra não cansa em exaltar uma atmosfera artificial e lúgubre que prende seus personagens a situações desagradáveis ou mórbidas. Porém o faz como uma celebração de seu universo: seus contrastes de branco com vermelho, puro e profano, água e sangue existem em razão de uma proposta estética que visa unir o material e o metafísico em uma imagem única e fluída. Portanto, o sobrenatural não é visto – ainda que o filme se torne um pouco incoerente em uma situação ou outra – como algo assustador e sim enquanto elemento que gera curiosidade. Cenas violentas se assemelham às cenas de romance como sendo cuidadosamente montadas para o deslumbramento do espectador, aqui não há espaço para imagens impactantes ou anárquicas. Em A Colina Escarlate reside o convite à contemplação estética de seu diretor.

Entretanto, esse convite não se configura em um apelo para o apreço de uma arte totalmente fechada em si. Assim como Círculo de Fogo (2013) – filme anterior de del Toro -, Escarlate trabalha bastante na construção de um contexto narrativo em constante conflito com o passado. Se em Círculo essa dimensão se dava pelo embate tecnológico, em Colina se da em entender as diversas manifestações que o amor adquire em meio a um intrínseco jogo de interesses entre os personagens - vivos e mortos. Buscando transparecer-se como uma sucessão de imagens em constante devaneio, o filme sofre por certo didatismo – especialmente na sua narração em off -, porém o teor caloroso na qual del Toro insere seus protagonistas impedem que os mesmos se tornem  marionetes desinteressantes.
Em meu primeiro contato com o filme, os percebo como consequência direta do projeto estético. Ou seja, del Toro se lança com mesmo ímpeto nostálgico em recriar personagens afetados em seu playground gótico. Tanta artificialidade poderia resultar em uma obra hostil com quem não está familiarizado com suas referências, porém não me senti de maneira alguma diante de alguma egotrip incomunicativa. Acredito que A Colina Escarlate seja um dos casos onde o excesso imagético alinha-se com a humildade em homenagear um tipo de arte em falta e resulta em um produto de rara beleza.

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sexta-feira, 10 de julho de 2015

Cobain e Cidades de Papel: Imagens dos Ícones.


Semanas atrás assisti ao documentário Cobain: Montage of Heck (Brett Morgen, 2015). Filme sobre o antigo líder do Nirvana, indo de sua infância até os últimos dias que antecederam seu suicídio. Composto por entrevistas com várias pessoas próximas ao músico, animações para narrar momentos importantes de sua vida e muito material caseiro com imagens de Cobain (liberados exclusivamente para a produção desse filme). Aclamado em Sundance, o documentário está sendo constantemente avaliado como o melhor filme sobre o músico: “O documentário de rock mais intimista”, como aponta a quote da Rolling Stone ou “O documentário definitivo sobre Cobain, não a mais lugar para ir além” como apontou a Consequence of Sound. Dentre elogios tão calorosos, o filme comprova que a figura de Cobain como ídolo cultural não só se mantém intacta como permanece altamente lucrativa. Tendo o apoio da família do músico na produção, Morgen faz um documentário expositivo e sentimental absorvendo o legado de Cobain e focado em descobrir a verdade acerca da história de vida do ex líder do Nirvana. Nesse interesse em descobrir os fatos por detrás do mito, o filme cai na armadilha em martirizar ainda mais a pessoa que outrora foi chamada de “A voz de sua geração” pela cultura midiática.
Montage of Heck é mais outro documentário que mergulha seu objeto de estudo em meio a própria banalização e lugar comum que consiste seu personagem. Consequentemente o próprio filme termina banal. O interesse por seu protagonista existe apenas para enfatizar sua condição popular de ídolo das massas, inexiste Cobain para além do que é esperado de um documentário que esbanja suas imagens caseiras de “Kurt vai ao banheiro” ou “Kurt assopra as velinhas de seu segundo aniversário”. Imagens que só se tornaram públicas através desse filme, por isso ele não resiste em mostra-las várias vezes no intuito de vender tais cenas como a imagem mais próxima do real que se tem do músico. Porém não há muito a ser ver para além do mostrado. No final é Kurt Cobain tomando banho e fazendo a barba, sua intimidade se justifica apenas como desejo por parte do filme em abusar ao máximo de seu objeto e fazer hype em torno disso.

A superficialidade da obra reflete na sua esquizofrenia em martirizar um personagem que o próprio já considera como um mártir. Afinal, Cobain é/foi “A voz de uma geração”, há interesse em sua persona, pois ela ainda pode ser utilizada como parte da sociedade do espetáculo como produto a ser vendido em diversas mídias. Ironicamente, essa fome por ícones acabou agravando a depressão de Cobain. Lamentável que seu protagonista continue a ser refém de sua própria imagem midiática (algo que sempre o incomodou).

Minha relação com Montage of Heck acaba por assimilar minhas opiniões sobre o hype consequente de suas críticas. Ambos trabalham para o consumo de Kurt Cobain como mártir, existe certa agressividade na maneira como ele é apresentado. O artista existe apenas como condição secundaria, seu mito é muito maior e envolvem diversas outras ramificações. Músicas como Smells Like Teen Spirit parecem pequenas perto do impacto do “Kurt Cobain: Voz de uma geração” e é nessa condição de mito que o filme parece se apoiar, bem como as resenhas que apontei. Acaba por ser um produto mais interessante de ser refletido através da apropriação cultural da figura do músico - e o que isso representa em 2015- do que um filme válido.

“É uma cidade de papel, com pessoas de papel” frase que ecoa por todos os cantos de Cidades de Papel (Jake Schreier). Na adaptação do best seller de John Green - autor de A Culpa Das Estrelastal frase reflete não somente a ideologia do filme como também a própria forma como o filme é feito. Diferentemente de Montage, a figura do mártir – voz da geração- não se concentra em um individuo externo ou real, mas nós próprios personagens – em suas emoções e culturas individuais. A força motriz do filme consiste em carregar de subtexto seus diálogos - no intuito de localizar os personagens numa narrativa bastante contemporânea . Ao fazer isso, percebo a mesma vontade de torná-los tão icônicos e significantes como Kurt Cobain é,  para Montage of Heck.

A transformação do ícone pop midiático em seus próprios consumidores gera a mesma banalização presente em Montage. Repetindo formulas e padrões, Cidades de Papel se assemelha ao filme de Cobain em sua exposição e desespero para significar o tempo presente como importante – o primeiro pelo legado do músico e o segundo por retratar sentimentos tipicamente joviais. Há certa urgência (primariamente financeira) na temática da adaptação de Green, mas também existe a carência de uma estética forte e atraente.

Há tantos fatores (slow motion, música pop, narração em off) pra o espectador sentir toda a carga emocional do roteiro que o filme se perde na própria seriedade. Pretensioso, seria o termo apropriado. Cidades de Papel quer dizer demais; sobre seus personagens, sobre o que os rodeia. A pretensão em criar o painel de uma geração e seu (in) conformismo social. Obviamente não há nada de errado em aspirar artisticamente a representar uma cultura específica, porém sinto que esse caso está mais para vender personagens em prol de um público faminto por representação. É o casamento entre hype e o público que aflige o documentário sobre Cobain, e ele se repete aqui. Incomoda-me a generalização de sua história, obra incapaz de ser mais provocador em seu discurso, especialmente numa época em que comédias adolescentes invadem aos montes o cinema hollywoodiano.

Os protagonistas são muito caros a Cidades de Papel, ele os domina e os mantém controlados durante toda a narrativa. Uma precisão cirúrgica se da na maneira como tais personagens agem e pensam em cena, algo meticulosamente pensando para não causar estranhamento ou antipatia, é carente de atenção e desesperado por compaixão. Marketing para atrair aos interessados em ver jovens na tela. Enfatizado novamente que meu problema não se relaciona ao anseio de ser algo popular à contemporaneidade, e sim ao cinema estéril e de estética retrógrada.

Meu desejo de unir ambos os filmes em uma só critica se deu pelas várias ligações que fiz à maneira de como os filmes retratam seus objetos de estudo. Evidentemente foi um texto onde divaguei sobre suas ideologias e anseios, por isso não podia separá-los da mesma inquietação que tenho acerca da retratação de ícones modernos no cinema comercial. A frente do interesse em retratar Kurt Cobain sob um viés particular ou em retratar adolescentes à beira da maturidade existe o interesse financeiro em lucrar em cima de suas individualidades, gerando a banalidade dos mesmos. O hype acaba por proteger ambos os filmes, afinal Montage of Heck é sobre uma figura adorada pelas massas e Cidades de Papel um filme sobre jovens. O cinema sem cineasta se torna apenas um dos mecanismos utilizados para o reforço ou criação de ícones modernos alienados e alienantes.

Trailer de Montage of Heck (Com as referências das críticas que citei).

Link IMDB: http://www.imdb.com/title/tt3622592/?ref_=rvi_tt
                     http://www.imdb.com/title/tt4229236/?ref_=rvi_tt
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sexta-feira, 3 de julho de 2015

O Exterminador do Futuro: Gênesis.


Não é segredo que Hollywood prioriza o apelo cultural popular de símbolos como principal fator para desenvolver seus projetos. Antes de qualquer escolha estética (que possa vir a ser interessante ou medíocre), existe a expectativa do retorno financeiro por parte do público que conhece tal símbolo e até pelo público que não é familiarizado. O símbolo do personagem/universo/história se torna apenas uma isca, uma mentira que tais particularidades da obra são de fato singulares, quando na verdade essas estão dissipadas em meio a lugares comuns enfadonhos. Filmes de super heróis ou remakes de antigos sucessos são parte de uma equação onde o resultado é, quase, sempre retorno financeiro garantido. Existe o hype por consumir tais produtos com tamanha ferocidade devido a seu apelo – estendido a outas mídias como jogos, séries de TV, livros, etc - globalizante. Arnold Schwarzenegger como exterminador robô que profere frases de efeito se torna uma imagem publicitária e não cinematográfica. Emília Clarke está lá não como Sarah Connor e sim como Daenerys Targaryen de Game Of Thrones. O Exterminador do Futuro: Gênesis (Alan Taylor) é esquizofrênico em sua estética “Para os fãs da série e para novos expectadores”. E nem me refiro exclusivamente à “Sarah Targaryen”, mas também como o filme lida com sua diegese. Skynet, T-1000, John Connor, dentre vários outros símbolos da série que atingiu seu auge nos dois primeiros filmes de James Cameron, se perdem em meio a um plot apressado em exonerar seus elementos singulares em prol de várias viradas de roteiro. Nada surge como algo esteticamente interessante ou de valor para a narrativa. Diferentemente de Jurassic World, o novo Exterminador é tão estéril que inexiste a consciência de sua própria materialidade e diferentemente de Mad Max: Estrada da Fúria, suas cenas de ação não possuem peso dramático ou são executadas com maestria. Tudo se desfaz nesse filme, estética gritada e entregue de bandeja para quem não consegue viver sem um filme da franquia ou para quem está passando de bobeira na frente do cinema e decide ver mais um filme de ação.

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quinta-feira, 11 de junho de 2015

Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros.

 That´s Entertainment.

Em algum momento de Jurassic World (Colin Trevorrow), Clare (Bryce Dallas Howard) comenta a dificuldade de surpreender e manter a atenção de pessoas que já viram um dinossauro: “Nos anos 90 era incrível, 20 anos depois o interesse diminui”. Os répteis ressuscitados por meio da genética são parte de um grande freak show do entretenimento, mas o simples fato de tê-los andando sob a terra após 65 milhões de ano já não representa muita coisa numa sociedade que busca consumir o máximo e aproveitar o mínimo. Certamente, deve ter sido incrível assistir a Jurassic Park em 1993. Continuou a ser anos depois, quando assisti e fui encantando pela capacidade de Steven Spielberg em recriar os dinossauros. Quase 20 anos após Tubarão (1975) - um dos melhores filmes de monstros - Jurassic Park mostrou que seu diretor continuava hábil em brincar com nosso imaginário. Dinossauros e Tubarões provocavam fascínio e medo não só pela qualidade dos efeitos, mas devido ao fato que Spielberg sabia quando mostrá-los. Ele entedia que seus monstros provocavam expectativas justamente por existirem na tela do cinema. Um excitamento infantil em acreditar que tais criaturas existem. Todo o filme funciona como um retorno para essa ingenuidade, até a própria carreira de Spielberg pode ter interpretação semelhante. Jurassic World é nada mais, nada menos que uma tentativa de voltar ao filme de 93, porém ele admite sua incapacidade em ser algo impactante como o original foi. E se não há espaço para a beleza do primeiro filme, há um apreço pelo humor da auto parodia, que em si é uma espécie de beleza.
Lindo <3
A nostalgia impera no filme: personagens comentam sobre o antigo parque, onde “existiam dinossauros de verdade”. Algumas cenas do primeiro filme são recriadas, a música tema de John Williams é usada constantemente e até um dos atores (BD Wong) retorna ao mesmo papel.  Essa “homenagem” histérica ocorre como forma de expor o abismo que separa um filme do outro, tecendo diversos comentários sobre a indústria de entretenimento na qual ambos filmes foram produzidos. Enquanto o filme de Spielberg possui o fascínio em mostrar/ esconder seus monstros, o filme de Trevorrow entende que após 20 anos de excesso do CGI os mesmos monstros não impressionam ninguém. A indústria de entretenimento é completamente metaforizada em Jurassic World, especialmente na atração principal do filme: O Indominus Rex. "Faça-o maior e mais legal", comenta o dono do parque. Um dinossauro criado a partir de vários outros para manter as atrações com ar de novidade. Penso eu que tal dinossauro é a própria Hollywood fabricando o filme. Colando diversos retalhos referentes ao filme original, bem como lutando para manter o interesse dos espectadores por uma velharia. Jurassic World não ativa suspense, drama, ele é um produto Kitsch conscientemente dependente de seu passado, reduzindo-o a banalidade do cinema blockbuster contemporâneo. É tudo um jogo de representações e arquétipos. Owen (Chris Pratt) não é um herói, é um wannabe, assim como diversos outros personagens. O filme é uma grande gargalhada: Frases de efeito propositalmente hilárias, CGI em excesso, situações extravagantes de “Oscar Cameos” como seus monstros correndo em slow motion. A artificialidade hollywoodiana – bem como sua honestidade em revelar o fundo de seu ar- raramente é exposta dessa maneira.
Exemplificado nos irmãos protagonistas encontra-se a própria dicotomia do filme. Gray (Ty Simpkins) o caçula é encantado por dinossauros e demonstra empolgação a cada novo bicho. A criança inocente que é facilmente impressionada, aquela que Spielberg tenta trazer a tona em seus filmes. Já Zach (Nick Robinson) é o típico adolescente entediado até para ver um T-Rex. Representativo da outra parte do público que tanto os organizadores do parque quanto o filme tenta chamar atenção. A metalinguagem funciona, pois ela se formata em críticas ao caráter (aparentemente) estéril e ordinário do filme.

Porém como brincadeira camp, ele não deixa de apresentar certo sexismo na relação de Owen e Clare, como também se apoia de clichés batidos como a do personagem negro sempre ser amigo do protagonista, nunca ganhando uma linha narrativa interessante. Diferentemente dos outros clichés bem trabalhados no filme, esse racismo e machismo ainda representam o conservadorismo hollywoodiano. De resto, fica a boa surpresa da mistura de referências com estéticas inusitadas para forma um filme ridículo que é consciente das limitações de seu gênero.

                
                Música do título: 
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quinta-feira, 14 de maio de 2015

Mad Max: Estrada da Fúria



Provável que essa crítica seja uma espécie de continuação de muitas ideias iniciadas na de Vingadores: Era de Ultron (http://bit.ly/1Ea7X7n). Achei inevitável que determinados aspectos de minha relação com Mad Max: Estrada da Fúria (George Miller) sejam ressaltados devido à má impressão que tive com o filme de Whedon. A crítica de Vingadores foi sobre a aparente impossibilidade de renovação dos filmes da Marvel e do gênero de ação hollywoodiano. Basicamente, filmes feitos para o público infanto-juvenil que são tão ingênuos (ou reacionários) em seus modelos “bonecos de fantoches salvando o mundo”. Excitação oca por prédios desmoronando. O quarto filme da saga de Miller consegue se distanciar de tais problemas com tamanha naturalidade que não me espanta a calorosa recepção ao redor do globo do “melhor filme de ação hollywoodiano dos últimos 10 anos”. Certamente é o melhor filme do gênero que foi dirigido por um “senhor” de 70 anos. George Miller demonstra vigor e tremenda habilidade em dirigir uma obra totalmente consciente das particularidades do gênero em narrar à queda do mundo. Para tal diegese ele utiliza da mesma fonte que produz tantas extravagâncias vulgares: Um orçamento generoso calculado em 150 milhões de dólares, sendo justificado em cada frame. A extravagância fílmica se dar por muita maquiagem, dezenas de veículos reduzidos a metais distorcidos, explosões vibrantes, balas voando, guitarras flamejantes, pessoas sucumbidas à loucura e muita violência física e psicológica. Tal empreitada atinge seus objetivos nos primeiros instantes de projeção, um filme insano sobre a perda de sanidade da humanidade. E no meio do calor e da areia, Mad Max constrói uma tensão física tão palpável quanto qualquer filme de terror onde tripas explodem para fora. Um senso grotesco de personagens e situações, o regresso aos sentimentos mais ancestrais do homem assombra todo o filme. Aqui, metal, aço e fogo são orgânicos, simbióticos com os personagens. Seja pelo braço prostético de Furiosa (Charlize Theron), pelo aparelho respiratório de Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne), pela focinheira e cicatrizes cauterizadas de Max (Tom Hardy) ou pelas correntes presas a diversas personagens femininas. Somados a elementos como areia e suor, fazem com que o filme seja constantemente sucessível a sensações agonizantes. Um grito sobre a terra, fogo, metal e carne tão primitivo e enraizado em nosso subconsciente quanto os tambores de guerra que rufam durante quase toda a projeção. Porém se essa “Ordem do caos” das cenas de ação ocupa boa parte do filme, ele certeiramente faz o oposto em seus momentos de calmaria antes da tempestade. Diálogos lacônicos e a dificuldade em seus protagonistas comunicarem entre si revelam um subtexto cheio de nuances e diversidade ao tocar em assuntos como alienação, fanatismo religioso e feminismo. Há tantos detalhes que o filme joga a fim de conectar o caos pirotécnico com seu roteiro, como o fato das escravas sexuais de Immortan Joe serem interpretadas em sua maioria por modelos famosas. O que para mim soa como uma crítica à obsessão doentia e sexual que a cultura da celebridade tem por seus ícones. Mad Max é cheio disso: Pistas, provocações e estranhamentos que aos poucos formam camadas e camadas de interpretações. Na importância que Miller dá a tais momentos, o drama do filme aflora e se conecta ao espectador como uma história atual. Um alerta para a vontade do homem em se destruir e levar junto o que está ao seu redor. O filme chega a apontar saídas para seus conflitos e não poderia ser mais Anti-hollywood seu maravilhoso plano final. A verdade é que Mad Max: Estrada da Fúria não remete em nada a indústria onde foi produzido, ele levanta bandeiras sem cair em sentimentalismo e é artesanalmente atencioso em ser provocador, urgente, agressivo e desagradável. Miller eleva os parâmetros do gênero novamente, para ser visto e revisto na tela grande

















Link IMDB: http://www.imdb.com/title/tt1392190/
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quarta-feira, 6 de maio de 2015

Vingadores: Era de Ultron

 Fuck Yeah!

Lançado em 2004, Team America - Detonando o Mundo (Trey Parker), pegou embalo em duas coisas: A corrida presidencial americana no auge da guerra no Iraque/Afeganistão e no excesso de filmes de ação produzidos em Hollywood. O filme tecia críticas mordazes – e hilariantes, diga-se de passagem- ao policiamento dos Estados Unidos no mundo. Personagens chegavam com seus tanques, helicópteros destruindo metade de Paris em busca de terroristas e ao fim da missão diziam aos parisienses: “Não se preocupem, a ameaça se foi”. A produção sabiamente utilizou marionetes e cenários artesanais para enfatizar a artificialidade da obra. Um filme que ridiculariza sua mise em scène em prol da sátira política. Afinal de contas esse é um filme aonde o mito do herói é destroçado em situações constrangedoras, onde os brinquedos bélicos dominam a cena (causando a destruição desnecessária do Louvre) e onde a canção tema se chama “America! Fuck Yeah!”. Uma gargalhada sobre a real possibilidade do ser humano causar sua extinção. Penso eu que Parker entende a impossibilidade de qualquer seriedade em seu filme, restringindo-a aos questionamentos do espectador diante daquilo que vê.


Vingadores: Era de Ultron (Joss Whedon) tem armas bélicas, CGI aos montes e histeria por seus personagens. É notável o encantamento infantil que Whedon tem por seus heróis, percebe-se o desejo em fazê-los ter o mesmo peso emocional na tela. Uma pena que seu roteiro acaba por cair na armadilha de servir apenas aos maneirismos dos mesmos. Fazendo-o soar como um Team América sóbrio.

Aqui as pessoas estão bastante sérias, sofridas e determinadas em resgatar o mundo da provável extinção arquitetada pelo vilão Ultron (James Spader). “Mal” esse que se forma pelas mãos dos próprios heróis - salvadores do mundo. Em seu início, Vingadores parece ter o desejo de alertar sobre catástrofes feitas pelo homem, até pela maneira como Ultron se apresenta, remetendo a um ser grotesco criado pelo uso das inovações tecnológicas de maneira irresponsável. Consciente de sua natureza, o vilão funciona como um niilista, se opondo as utopias humanas que os personagens e próprio filme piamente acreditam. Minha empolgação se deu na expectativa do choque entre a polarização do caos e da fraternidade. Porém se em seus primeiros trinte minutos, Vingadores abre espaço para reinterpretações da figura do herói ( e suas consequências), ele passa o restante de suas horas se sabotando com a típica mesmice da Marvel Studios.

“Todo filme da Marvel é igual”, crítica que é feita cada vez mais. Se por um lado pode parecer rasa, por outro demonstra cada vez a falência da produtora em pensar e fabular seus heróis além do que é esperado deles. Vingadores: Era de Ultron talvez seja um dos maiores exemplos disso. As afetações dos personagens se tornam mais importante do que a própria narrativa, o que é vendido são produtos da cultura pop. Não há representações dos heróis para além de suas habilidades especiais, são fantoches armados que visitam países “exóticos” na África e Ásia e destroem tudo em nome da “salvação da terra”. O que havia me agradado no filme era a aparente conscientização a lá Team América de sua diegese, porém ele cede ao entretenimento oco e risivelmente sério.

Vingadores também não consegue ser esteticamente interessante. Os últimos filmes do estúdio são estéreis: mesmos efeitos, mesmas piadas fora de tom, mesmos finais, mesmos prédios gigantes caindo. A crítica rasa permanece, uma pena, existia bastante potencial. Talvez quando pararem de produzirem filmes sobre bonecos de ação e apostarem em imagens inusitadas e sobre o que elas representam, teremos filmes que saiam tão interessantes quanto o material de origem.

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