O Passado Contemplado
O
legado dos monstros da Universal Pictures
– Drácula (1931), Frankenstein (1931), O Lobisomem (1941), etc- tende a
ser, inequivocamente, lembrado como uma produção de terror convencional - que provoque sustos e tensão. Porém, antes de usarem o mórbido em prol do suspense, tais
filmes priorizavam desenvolver um lirismo sobre a deterioração do corpo. Seus protagonistas eram
pessoas acuadas pelo destino – no sentido trágico -, presos em uma existência
desesperada por redenção. Nessa mise-en-scène,
o que deveria ser visto como repulsivo é posto como algo carente de
compaixão. E na conjuntura desse horror romântico, um assassinato é filmado como
alívio, um momento de libertação. O cessar de angustias é reconfortante aos
olhos assim como a madeira podre da arquitetura onipresente possui uma textura convidativa ao espectador. Tudo constrói-se em torno de uma melancolia idealizada e atraente.
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Drácula (Tod Browning, 1931) |
A
nostalgia de Guillermo del Toro por essas obras – bem como pelo cinema mudo-
reflete em cada espaço e tempo de A
Colina Escarlate (2015), indo dos fade
outs/ins em forma esférica até à maneira como cria-se uma estética de
caráter efêmero mas pulsante. Seja pelo seu trio principal (Mia Wasikowska, Jessica
Chastain e Tom Hiddleston) ou pela plasticidade de sua imagem, fica claro que o
interesse do filme está em romantizar – ou até mesmo, sonhar – um momento
específico. Um tempo não necessariamente historiográfico – nesse caso o final
do século XIX/início do séc. XX- e sim, memorialista . Interessa à del
Toro não a precisão anacrônica do período diegético e sim em como tal época e
estado de espírito foi retratada por movimentos literários e pelo próprio
cinema. Tal anseio não exclui certa afetação estética por parte de sua direção,
porém no ato de abraçar tão abertamente suas sensibilidades A Colina Escarlate cativa.
Obsessivo
em recriar um cenário sonhado, a obra não cansa em exaltar uma atmosfera
artificial e lúgubre que prende seus personagens a situações desagradáveis ou
mórbidas. Porém o faz como uma celebração de seu universo: seus contrastes de
branco com vermelho, puro e profano, água e sangue existem em razão de uma
proposta estética que visa unir o material e o metafísico em uma imagem
única e fluída. Portanto, o sobrenatural não é visto – ainda que o filme se torne
um pouco incoerente em uma situação ou outra – como algo assustador e sim enquanto elemento que gera curiosidade. Cenas violentas se assemelham às cenas de romance como sendo cuidadosamente montadas para o deslumbramento do espectador, aqui não há
espaço para imagens impactantes ou anárquicas. Em A Colina Escarlate reside o convite à contemplação estética de seu
diretor.
Entretanto,
esse convite não se configura em um apelo para o apreço de uma arte totalmente fechada em
si. Assim como Círculo de Fogo (2013)
– filme anterior de del Toro -, Escarlate
trabalha bastante na construção de um contexto narrativo em constante conflito
com o passado. Se em Círculo essa
dimensão se dava pelo embate tecnológico, em Colina se da em entender as diversas manifestações que o amor
adquire em meio a um intrínseco jogo de interesses entre os personagens - vivos e mortos. Buscando transparecer-se
como uma sucessão de imagens em constante devaneio, o filme sofre por certo
didatismo – especialmente na sua narração em off -, porém o teor caloroso na
qual del Toro insere seus protagonistas impedem que os mesmos se tornem marionetes desinteressantes.
Em
meu primeiro contato com o filme, os percebo como consequência direta do
projeto estético. Ou seja, del Toro se lança com mesmo ímpeto nostálgico em
recriar personagens afetados em seu playground gótico. Tanta artificialidade
poderia resultar em uma obra hostil com quem não está familiarizado com suas referências, porém não me senti de maneira alguma diante de alguma egotrip incomunicativa. Acredito que A Colina
Escarlate seja um dos casos onde o excesso imagético alinha-se com a
humildade em homenagear um tipo de arte em falta e resulta em um produto de
rara beleza.
Link IMDB: http://imdb.to/1LcGZSi
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