How Come I End Up Where I Started?
8 ½ (Federico Fellini)
ainda é o melhor filme sobre criação artística que existe, mais do que sua meta
linguagem sobre um diretor tentando fazer seu próximo projeto, a obra de
Fellini é um misto de sonhos e realidade que une passado e presente como um só.
Um filme sem medo em tornar os desejos, medos e frustrações de seu protagonista
a força motriz de sua narrativa. O diretor italiano criou uma comédia sobre si mesmo tentado dar voz e espaço para todos os
ingredientes que nutriam sua paixão pelo cinema e pela vida. Um pouco mais de
meio século após 8 ½ , Alejandro
Inãrritu faz uma espécie de irmão para o clássico de Fellini, mas
se passando na era digital e dos blockbusters.
2014
foi um ano marcado por uma série de filmes que tocaram no lado mais podre do
ser humano e de seu meio. Mapa para as Estrelas (Cronenberg), O Abutre
(Dan Gilroy) e Garota Exemplar (David Fincher) são
feridas expostas do estado lamentável da mídia, criticando duramente o
sensacionalismo jornalístico e a exacerbação da cultura de celebridades. São
sátiras da contemporaneidade ocidental, sendo muito bem expandidas como um
olhar degradante sobre o ser humano e a falência de seu meio. Essa acidez
também é encontrada em Birdman (Alejandro
Inãrritu), porém é acompanhada de uma sensação trágica que inexiste na “trilogia”
citada e do caráter Felliniano do onírico.
Riggan
(Michael Keaton) é amaldiçoado pelo sucesso como o super-herói “Birdman” (papel
que não reprisa há 20 anos) e vê em na estreia de sua peça na Broadway a chance
de fazer algo marcante em sua carreira. Inãrritu
em momento algum desenvolve sua narrativa na iminência de “algo” acontecer.
Em vez disso, mergulha seu filme numa neblina de remorsos, conflitos de ego e
situações cômicas: atores tramam contra outros, personagens se machucam seriamente,
Riggan entra de cueca no palco. Um filme estagnado, porém que não deixa de ser
menos cativante de ser assistido.
Momentos surreais justificam o virtuosismo da direção (feito para parecer um único plano-sequência). Há uma vontade histérica
com essa câmera, um desejo em transmitir o fluxo de consciência de Riggan. Pássaros
gigantes, meteoros e bateristas de jazz, todos tomam de assalto o filme. Inãrritu é desapegado em construir uma seriedade imagética e conduz o filme
com senso de humor, ao mesmo tempo em que torna os conflitos de Riggan emotivos de se ver.
A
tentativa de redenção é a temática principal, com Riggan sendo constantemente
confrontado pelo seu álter ego na forma do “Birdman” em fazer algo que seja tão
significativo quanto o personagem de asas. Acredito que por problematizar os
dramas de seu protagonista desde seu início (“como viemos parar aqui? Esse lugar é horrível”) e por ser tão
direto ao se dirigir ao espectador, Birdman injeta um humor melancólico que
o torna mais próximo e apegado a platéia.
Um
filme engraçado e trágico, pois em sua natureza cáustica, Birdman refletiu a imagem de seu espectador. Enclausurados em
memórias, possibilidades e chances que não foram aproveitadas pelos mais
diversos motivos: covardia, egoísmo, preguiça, etc. Mas mesmo apresentando
essas questões, o filme não parece está tragado por elas e sim por um caráter
irônico consigo que, penso eu, o coloca bem adiante da maioria das produções
hollywoodianas. Inãrritu força o
espectador a refletir sobre o valor que a arte possui, assim como o conecta a seu protagonista no intuito de medir as consequências que o produto
artístico tem para ambos os lados. Essa conexão, similar a de Guido em 8 ½ , faz com que o filme ganhe um
humanismo que o torna tão urgente quanto honesto.
Música do título:
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