De todos os herdeiros
cinematográficos que Alfred Hitchcock deixou, David Fincher é meu favorito. A
alcunha de “herdeiro” não é à toa, o diretor possui um cuidado meticuloso com a
progressão narrativa de seus filmes e sabe muito bem manipular as emoções do
espectador à la Hitchcock. Resultando em obras bem polidas, com roteiro bem mastigado e de personagens interessantes e carismáticos. Em suma, trata-se de
um dos melhores a serviço de Hollywood. Por isso, minhas expectativas em
relação à Garota Exemplar eram altas. Amy (Rosamund Pike) desaparece no
seu aniversário de cinco anos de casamento com Nick (Ben Affleck). Não demora
muito para o desaparecimento de Amy se tornar manchete de todos os jornais, com
Nick sendo o principal suspeito. Um thriller bem ao estilo Fincher, Garota
Exemplar mantém boa parte das características que sempre me atraíram no
cinema dele, bem como algumas que não me entusiasmaram tanto.
A primeira parte é
espetacular, maquiavelicamente arquitetada com cortes rápidos e tensos, para o
espectador ser imerso no clima de dúvida e discórdia acerca do desaparecimento da
protagonista. Personagens de intenções duvidosas, flashbacks inspirados, bons
diálogos e ótimo ritmo. A combinação essencial para a platéia se manter ansiosa
e atenta a cada nuance comportamental de Nick. É o inferno matrimonial tratado de maneira rebuscada para que os personagens sejam respeitados como pessoas de falhas e virtudes que podem ser, ou não, capazes de tudo quando acuadas. Fincher entende a importância
dos protagonistas para uma narrativa dessas fluir e confere total confiança
para Pike e Affleck adicionarem dramaticidade a obra, felizmente eles conseguem.
Soma-se a uma ótima trilha sonora encabeçada por Trent Reznor e tudo está em
seu lugar, os dramas funcionam e a atmosfera de “Caça as bruxas” é perfeita. Fincher tem a platéia em suas mãos.
Os incômodos começaram na segunda parte, mais redundante e de ações mais maniqueístas.
Existe uma mudança clara (evitando grandes spoilers) no ritmo e desenvolvimento do
filme, o quê em si não necessariamente configura-se em uma falha. Porém no caso
de Garota
Exemplar, tive sérios problemas com o tom histérico que o filme passa a ter. O ar de mistério se dissipa e dar lugar a uma
brincadeira de mocinhos e vilões que se prolonga bem mais do que o necessário.
O filme passa a se concentrar na alegoria do casamento de aparências como uma
forma de atacar diretamente o jornalismo sensacionalista e Amy se torna o arquétipo
da mulher vingativa unilateral, indo contra sua persona incompleta e sedutora da primeira parte, se assemelhando a uma vilã de novela mexicana.
Existe uma aceitação tão calorosa do segundo
ato, indo até o fim do filme, com o lado repulsivo adquirido por seus personagens que essa
histeria se torna uma força estética em si. É um desfile de personagens
representativos do que há de pior em cada um de nós. Garota Exemplar vai de
filme noir para a loucura de um Pink Flamingos (sem teor escatológico), perde seu caráter intimista
e ganha dimensões grotescas e sociais que podem funcionar com outros
espectadores, porém em minha percepção acabou inutilizando boa parte do
suspense construído anteriormente. É visível que já em sua metade não há novas
direções que o filme possa seguir, tornando-o bem mais descritivo do que
interessante. Talvez ainda seja um filme que exige maturação para melhor ser
absorvido, quem sabe esses problemas desapareçam em uma futura revisão.
Porém mesmo com minha decepção a partir da
primeira hora, Fincher não deixa de criar cenas sensoriais bonitas que tornam o
filme um deleite para os olhos. Com a insanidade matrimonial se revertendo em imagens
provocantes e reflexivas ao espectador, especialmente para aquele que possui uma visão ingênua do termo "briga de marido e mulher ninguém mete a colher". A naturalidade e delicadeza transmitida pelos
protagonistas os tornam tão criveis que quando o vermelho pulsante do sangue é
mostrado, o contraste buscado por Fincher entre realidade e aparências é
belamente transmitido. Garota Exemplar pode não figurar
entre os meus favoritos, mas a direção competente e os temas pertinentes
garantem que ele figure entre os melhores pipocões que Hollywood fez esse ano.
Link IMDB: http://www.imdb.com/title/tt2267998/
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