I
knew these people
A beleza desoladora do
deserto é pontuada pelo minimalismo da slide guitar melancólica de Ry Cooder e
sob o sol forte, um homem surge no meio da natureza intocada. Cinema é imagem e
som. Wim Wenders é primal em sua introdução e a câmera sobrevoa como uma ave de
rapina a perseguir o homem até entender o motivo pelo qual ele se encontra
desnorteado no deserto.
É complicado comentar
sobre Paris, Texas sem citar diversas referências que habitam meu universo, assim
como aquelas que povoam o de Wenders. O homem do deserto (Harry Dean Stanton) é
encontrado por seu irmão (Dean Stockwell) após quatro anos e tenta se readaptar
a sociedade, ao mesmo tempo em que tenta reconquistar o amor de Hunter, seu
filho pequeno. O filme é a epítome de todos os fetiches e preferências estéticas
do cinema de Wim Wenders: O estrangeiro, o road movie, a cultura americana e o rock n
roll. Paris, Texas é um dos últimos
grandes westerns, que mesmo não sendo propriamente um, ele herda de John Ford e
Anthony Mann a dimensão do natural perante o homem e o tratamento fotográfico impecável
típico desses realizadores. Possuindo tomadas abertas belíssimas, fazendo as
paisagens ganharem presença e tempo como parte essencial da narrativa, tornando-as um deleite para os olhos. Porém não há beleza barata, irreflexiva ou gratuita, Wenders reconhece na grandiosidade do
western a capacidade em produzir imagens paisagísticas que constroem seus
personagens de uma maneira que diálogo nenhum conseguiria.
Ao mesmo tempo em que é
suntuoso em suas imagens externas, Paris, Texas é um drama intimista
influenciado pelo sublime do ordinário que marca o cinema de Ozu, porém com
conflitos e anseios pós-modernos acerca da fuga e da monotonia da vida
suburbana. A excelência dos planos fechados e internos está na expressividade do
time competente de atores principais, especialmente Stanton. Seu Travis surge
sem memória e sem rumo, mas haja carga emocional por detrás de seu rosto, é uma
paisagem por si, novamente remetendo a Ford, que uma vez comentou que não há
nada mais interessante do que o rosto humano para se filmar. Wim Wenders encontra
em Travis a tristeza da perda que é comum a todos, também há um coração
pulsante que mesmo por detrás de tanto mistério existe uma sede de viver e um
desespero por consertar tudo aquilo que foi perdido ao longo da estrada.
Paris, Texas
não é imediatista, é ritmado por melodias e por questões não tão obvias,
Wenders cria sua narrativa em meio à subjetividade do violão de Ry Cooder e da
fotografia vibrante de Robby Muller. É uma história com um ritmo bastante
próprio, priorizando a colagem de momentos simples que separados podem carecer
de impacto emocional, mas que suas potencialidades são elevadas no terço final,
com um dos monólogos mais emocionantes que o cinema proporcionou ao meu
intelecto. É comovente e simples sem as histerias do cinema hollywoodiano, Paris,
Texas ressoa na minha cabeça já faz muito tempo, especialmente após
descobrir que era o filme favorito de Kurt Cobain. Sem esconder minha paixão
pela música do falecido músico, o fato dele ter se identificado com o filme simplesmente
conectou todos os pontos que faltavam para mim. Paris, Texas se fechou
como um filme sobre os impactos de uma relação familiar destruída e a eterna
busca de nós mesmos em meio a tantos ressentimentos. Cobain é o Hunter, aquele
que ficou entre os pais, a mercê da criação dos tios e que permaneceu confuso
sobre o que realmente aconteceu em sua família.
Sendo menos subjetivo, é bem seguro dizer que
o filme antecipa bastante à temática de muitos cânones dos anos 90. O já citado
Nirvana, a desolação de não pertencer a lugar algum de A Dupla Vida de Véronique,
as preocupações anti establishment da geração Slacker, e o conflito de pais e
filhos da geração X. Wenders continuou a explorar diversos desses temas em
obras futuras, mas nunca soube mesclar tão bem suas influências e voz em um
produto tão universal e eterno como Paris, Texas.
Link para a seção "Memórias" do filme: http://bit.ly/1vT5nje
Trilha sonora completa:
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