quinta-feira, 2 de abril de 2015

Vício Inerente

The Cars hiss by my window, like the waves down on the beach – Noias em Vício Inerente.

Apesar de ser um grande defensor da obra de Paul Thomas Anderson, fui assistir Vício Inerente com certo receio de ser (apenas) um filme sobre as particularidades histórico-culturais de determinada época (nesse caso, os anos 70). Não que pôr a lupa no passado seja necessariamente ruim, mas P.T.A já havia explorado satisfatoriamente o final dos anos 70/ início dos anos 80 (Boogie Nights). Outro estranhamento se deu pela origem do material, o romance homônimo de Thomas Pynchon, não conduzir pelo caminho sóbrio de Sangue Negro e O Mestre. Vício Inerente parecia um retorno ao virtuosismo jovial das primeiras obras e isso pode significar uma escassez de ideias. Não escrevo essa introdução (maior que outras, confesso) para no final soltar o “mas não galera, não é nada disso, o filme é maravilhoso, etc”. Mas porque sinto a necessidade em achar um caminho para melhor relacionar meu antes e depois com o filme e assim explicar meu ponto de vista com o filme. Talvez ainda esteja  imerso no seu roteiro (propositalmente) confuso, talvez seja porque sua falta de ritmo não pareça tão problemática agora, não sei. Acredito que Vício Inerente soa como Boogie Nights dirigido pela pessoa que já fez Sangue Negro, mas acaba por ir além do simples rotulo de “volta às raízes”, carregando uma urgência até então inédita. A escolha pelo romance de Pynchon é sábia e torna essa volta aos anos 70 ainda mais interessante do que Boogie Nights.
Charles Manson ao ser preso em 1969.

A década hedonista foi à sobriedade, abandonando o idealismo dos anos sessenta. O choque da brutalidade dos assassinatos a mando de Charlie Manson somado ao trágico concerto dos Rolling Stones em Altamont fazia com que o sonho hippie rapidamente se extinguisse e desse lugar ao medo e a paranoia dentro da cultura alternativa. Em suma, antes de 1970, andar com o cabelo comprido até o cóccix fazia a comunidade hippie entender se identificar com tal sujeito, era alguém que compartilhava dos ideais pacíficos e/ou anti-establishment. Após Manson, esse “elo” foi abalado. Um cabeludo agora podia ser outro psicopata propagandista de ideias conservadoras. Vício Inerente se localiza nessa ressaca pós-revolução. Porém seu olhar persistentemente me empurrou para fora de sua caixa. Seja apontando para os anos 60, seja se relacionando à contemporaneidade. Um filme nos anos 70, com estética contemporânea e sobre a atemporalidade do movimento hippie. O momento do Flower Power é visto por Anderson como parte de um período histórico-cultural importante de reestruturação de valores. Entretanto, o momento não existe no filme e sim suas consequências, que estão bem longe da memoria nostálgica e afetuosa sentida por seus personagens do verão do amor. Vício Inerente falar sobre ideologias, movimentos e pessoas a partir da ausência dos mesmos, e brinca o tempo todo com o choque da fantasia da contracultura com o teor opressor da realidade.

Existe certo pessimismo, e a obra lida bastante com a alienação de uma cultura estranha (nova), heterogênea e perdida em si. Porém Anderson não julga moralmente a conduta de seus personagens, prefere se posicionar relativamente distante e cínico com seu filme. Penso eu que tal cinismo se dá pela insegurança na próxima etapa pós-ressaca da revolução. Pois se o presente do filme se comporta de maneira incompreensível, o futuro seria imprevisível e por isso, inseguro. Não inseguro pelas atitudes das culturas alternativas, que em tese iriam mudar segmentos sociais seculares, mas pela facilidade com que elas perdem sua força política. Essa precisão com que Anderson reflete (noia) sobre seus hippies, junkies e businessmen, me parece está a serviço de uma narrativa que se joga sobre nosso tempo presente. O sentimento atemporal que citei é uma maneira de desconstruir o idealismo da época e retratá-lo como igual às mesmas forças políticas que buscam reestruturar a sociedade de hoje. Nesse sentido, Vício Inerente se assemelha bastante a Zabriskie Point, 1970, Antonioni. Ambos são filmes que se utilizam do mesmo momento da história ocidental para questionar sua importância.

Não diria que há certo anacronismo em sua interpretação dos anos 70, mas que ela existe para ser comparada com o século 21. Penso isso, pois detrás das cenas alucinantes e estranhamente conectáveis, existe um filme de ritmo lisérgico e contemplativo, onde pouco acontece. O tempo é sentido por situações verborrágicas que libertam o filme de qualquer pretensão em amarrar uma história. O tédio adormece seus personagens a andarem em círculos várias vezes, incapazes de irem adiante. Não falei do plot em momento algum, porque o filme justamente tenta escapar de uma narrativa uniforme por meio de sub-tramas absurdas e  monotonia subsequente. Confuso em seus personagens e em sua estética de detetive para fazer o espectador pensar além do que é mostrado. Nada de surpresas ou grande conflitos de personagens, apenas estranhamentos. A inquietação que me norteia é de sentir-me retratado (obviamente, eu estando inserido no contexto do século 21) e não conseguir conectar todos os pontos que formaram parte da minha experiência com Vício Inerente. 


              Música do título:

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