The
Cars hiss by my window, like the waves down on the beach – Noias em Vício
Inerente.
Apesar
de ser um grande defensor da obra de Paul
Thomas Anderson, fui
assistir Vício Inerente com certo
receio de ser (apenas) um filme sobre as particularidades histórico-culturais
de determinada época (nesse caso, os anos 70). Não que pôr a lupa no passado
seja necessariamente ruim, mas P.T.A
já havia explorado satisfatoriamente o final dos anos 70/ início dos anos 80 (Boogie Nights). Outro estranhamento se
deu pela origem do material, o romance homônimo de Thomas Pynchon, não conduzir pelo caminho sóbrio de Sangue Negro e O Mestre. Vício Inerente parecia um
retorno ao virtuosismo jovial das primeiras obras e isso pode significar uma
escassez de ideias. Não escrevo essa introdução (maior que outras, confesso)
para no final soltar o “mas não galera, não é nada disso, o filme é
maravilhoso, etc”. Mas porque sinto a necessidade em achar um caminho para
melhor relacionar meu antes e depois com o filme e assim explicar meu ponto de vista com o filme. Talvez ainda esteja imerso
no seu roteiro (propositalmente) confuso, talvez seja porque sua falta de ritmo
não pareça tão problemática agora, não sei. Acredito que Vício Inerente soa como Boogie
Nights dirigido pela pessoa que já fez Sangue
Negro, mas acaba por ir além do simples rotulo de “volta às raízes”,
carregando uma urgência até então inédita. A escolha pelo
romance de Pynchon é sábia e torna
essa volta aos anos 70 ainda mais interessante do que Boogie Nights.
A
década hedonista foi à sobriedade, abandonando o idealismo dos anos
sessenta. O choque da brutalidade dos assassinatos a mando de Charlie Manson
somado ao trágico concerto dos Rolling Stones em Altamont fazia com que o sonho
hippie rapidamente se extinguisse e desse lugar ao medo e a paranoia dentro da cultura alternativa. Em suma, antes de 1970, andar com o cabelo comprido até o
cóccix fazia a comunidade hippie entender se identificar com tal sujeito, era
alguém que compartilhava dos ideais pacíficos e/ou anti-establishment. Após
Manson, esse “elo” foi abalado. Um cabeludo agora podia ser outro psicopata
propagandista de ideias conservadoras. Vício
Inerente se localiza nessa ressaca pós-revolução. Porém seu olhar
persistentemente me empurrou para fora de sua caixa. Seja apontando para os
anos 60, seja se relacionando à contemporaneidade. Um filme nos anos 70, com
estética contemporânea e sobre a atemporalidade do movimento hippie. O momento
do Flower Power é visto por Anderson como parte de um período
histórico-cultural importante de reestruturação de valores. Entretanto, o
momento não existe no filme e sim suas consequências, que estão bem longe da
memoria nostálgica e afetuosa sentida por seus personagens do verão do amor. Vício Inerente falar sobre ideologias,
movimentos e pessoas a partir da ausência dos mesmos, e brinca o tempo todo com
o choque da fantasia da contracultura com o teor opressor da realidade.
Existe
certo pessimismo, e a obra lida bastante com a alienação de uma cultura
estranha (nova), heterogênea e perdida em si. Porém Anderson não julga moralmente a conduta de seus personagens,
prefere se posicionar relativamente distante e cínico com seu filme. Penso eu
que tal cinismo se dá pela insegurança na próxima etapa pós-ressaca da
revolução. Pois se o presente do filme se comporta de maneira incompreensível, o
futuro seria imprevisível e por isso, inseguro. Não inseguro pelas atitudes das culturas
alternativas, que em tese iriam mudar segmentos sociais seculares, mas pela
facilidade com que elas perdem sua força política. Essa precisão com que Anderson reflete (noia) sobre seus hippies,
junkies e businessmen, me parece está a serviço de uma narrativa que se joga sobre nosso tempo presente. O sentimento atemporal que citei é uma maneira de desconstruir
o idealismo da época e retratá-lo como igual às mesmas forças políticas que
buscam reestruturar a sociedade de hoje. Nesse sentido, Vício Inerente se assemelha bastante a Zabriskie Point, 1970, Antonioni. Ambos são filmes que se utilizam
do mesmo momento da história ocidental para questionar sua importância.
Não diria que há certo anacronismo em sua
interpretação dos anos 70, mas que ela existe para ser comparada com
o século 21. Penso isso, pois detrás das cenas alucinantes e estranhamente
conectáveis, existe um filme de ritmo lisérgico e contemplativo, onde pouco
acontece. O tempo é sentido por situações verborrágicas que libertam o filme de
qualquer pretensão em amarrar uma história. O tédio adormece seus personagens a
andarem em círculos várias vezes, incapazes de irem adiante. Não falei do plot em momento algum, porque o filme justamente tenta escapar de uma narrativa uniforme por meio de sub-tramas absurdas e monotonia subsequente. Confuso em seus personagens e em sua estética de detetive para fazer o espectador pensar além do que é mostrado. Nada de surpresas ou grande conflitos de personagens, apenas estranhamentos. A
inquietação que me norteia é de sentir-me retratado (obviamente,
eu estando inserido no contexto do século 21) e não conseguir conectar todos os
pontos que formaram parte da minha experiência com Vício Inerente.
Link IMDB: http://www.imdb.com/title/tt1791528/
Música do título: