sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Tempo de Aquarius



Aquarius inicia com o mesmo artifício de O Som Ao Redor (2013), fotografias antigas. Se no caso de Som... as fotografias invocavam um passado em estado de inquietude, Aquarius invoca os cartões postais da praia de boa viagem ao som da canção “Hoje” de Taiguara como maneira de revisitar um passado que se contenta em apenas ser “Esse lugar que existiu”. Um passado sem dívidas com o presente.

O filme segue para 1980 onde somos apresentados a personagem Clara  na festa de sua tia-avó. Enquanto a aniversariante relembra a memória de seu antigo amor, é perceptível o distanciamento de Clara em relação a tudo, logo em seguida descobrimos que a personagem tinha acabado de se recuperar de um câncer. Momentos depois, fade out no apartamento para o mesmo décadas depois. Apesar de ser um filme linear, Aquarius não é aprisionado ao tempo presente.

E se o passado não retorna de maneira agressiva, ele certamente não coexiste com o presente de maneira 100% pacífica – falarei mais adiante. Porém o fato de que aqui não existir dividas a serem cobradas, indica um filme que trabalha a dimensão da memória por vieses diferentes de Som...

Enquanto acompanha sua protagonista por narrativas do cotidiano, Aquarius invoca cheiros, personagens, fotografias, dores do passado, etc.  Sua potência reside na troca de olhares que Clara troca com Júlia, na dança de Clara com um sujeito que conhece numa festa, no momento em que Clara escuta seus vinis antigos, na dedicatória que um de seus filhos mostra para sua irmã. Aquarius é um filme que se desenvolve em cima de lugares que despontam para fora do quadro, ele sugere que há um além disso.  Ao optar por tais momentos, o filme faz dos “lugares que existiram” um mosaico convidativo ao espectador desenvolver sua construção memorialista. O que pretende se criar é uma cumplicidade afetuosa entre espectador e filme.

E se o rosto de Sonia Braga materializa a marca do passado e presente de Clara, o edifício se porta em um lugar semelhante à da protagonista. Indiscernível um do outro. O silêncio do edifício, seu abandono por todos - exceto clara -, suas escadas, portas, seus gatos, suas folhas secas, tudo indicativo de um presente assolado pelo futuro em forma de uma construtora que visa demolir o prédio. Um edifício significativo da força de sua protagonista em se manter firme, em existir, em abraçar suas memórias como resistência.

Aquarius guarda em si uma melancolia e nostalgia de suas/nossas imagens fora de quadro. Ele as veste e expõe suas cicatrizes em materia (A mama retirada de Clara, o edifício silencioso), mas é marcante a ordem que lhe rege: o ímpeto de se manter ali diante do espectador, de se manter vivo, de enfim, sobreviver.

Não reduziria o filme como sendo sobre o Recife, nem como  um diagnóstico do Brasil (isso parece  cada vez mais  uma tarefa impossível), nem como sendo uma crítica a especulação imobiliária. É sobre Clara e suas lacunas, que contém espaço para todos nós. É relativo a um fluxo continuo de tempos e lugares que provocam o espectador a se relacionar com essa mulher. Que o tempo de Aquarius perdure.

Link IMDB: 
http://www.imdb.com/title/tt5221584/

Nenhum comentário:

Postar um comentário