segunda-feira, 2 de junho de 2014

Ondas do Destino

Love you so much, it makes me sick.

 Ondas Do Destino é minha obra favorita de Lars Von Trier. Único filme que, a meu ver, faz jus a adoração que o dinamarquês recebe. Aqui não há temas polêmicos fáceis ou o desejo infantil de chocar, mas uma obra madura e transcendental, com uma personagem profunda e cativante que fez valer cada segundo de suas quase três horas. 

Situado na Escócia, religiosa e conservadora, o filme é centrado na personagem Bess, uma mulher simples e ingênua que vê seu amor e devoção postos a prova quando seu marido fica paralisado da cintura para baixo. Depressivo e desesperançoso, Jan ( O marido) pede a Bess que tenha diversas experiencias sexuais com estranhos e que depois narre tais atos. Se sentindo culpada e desesperada, Bess aceita.

 Ondas Do Destino se apresenta tão puro, quanto impuro. Sendo a jornada de Bess não apenas sexual, mas espiritual. Sendo o filme tão desconfortável quanto qualquer obra de Michael Haneke, ao mesmo tempo em que é tão emotivo e cheio de fé quanto qualquer filme de Tarkovsky. Bess é a mistura do arquétipo da mulher religiosa pura com o da prostituta condenada, que não possuem salvação. Von Trier consegue o balanço perfeito para sua narrativa, aonde o choque vem mais dos julgamentos e humilhações que Bess recebe da sociedade do que de seus atos sexuais.

 A obra vai além dos conceitos padronizados de salvação, fé e sexo impostos pelas doutrinas religiosas diegéticas. Em vez disso, o filme conecta os atos “puros” e “impuros” como forma de salvação da sua protagonista. Aqui, o amor leva a humilhação, e a humilhação leva a salvação. É uma visão bastante fria e crua, porém não consigo imaginar em um filme mais cheio de ternura e esperança como esse. Mesmo com sua estética “suja” e nervosa de câmera na mão, Ondas do Destino é um filme delicado que transborda um humanismo simples e direto que não é muito comum na obra de Lars. Essa estética “suja” é contrastada por belas passagens de tempo, que ao som de músicas pop famosas, formam uma beleza delicadamente frágil que tomam forma no rosto de Emily Watson.

Tantas atrizes poderiam tornar um diálogo entre sua personagem e Deus algo banal ou emocionalmente apelativo, porém não é o caso aqui. Watson é o filme, ela que o deixa crível e realista, sabendo muito bem alternar de momentos sutis para a pura histeria. Ela permanece entre as expressões melancólicas e desérticas de Liv Ullman e a espontaneidade e carisma de Giulietta Masina.

O filme ocasionalmente peca por se prolongar demais em determinadas cenas, porém nada que atrapalhe o produto como um todo. Há também quem veja muitas cenas carregadas de sentimentalismo. A meu ver, sem cenas carregadas de emoção o filme se perderia no moralismo que ele visa criticar. Lars Von Trier viria a se promover excessivamente em trabalhos futuros, de qualidade duvidosa. Mas aqui ele soube mostrar a face de deus e o diabo, fazendo do filme um dos mais especiais da história do cinema.

Música do título: "Aneurysm", Nirvana

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